13 de junho de 2025
Moraes pode perder imunidade diplomática com ação de Trump? Juristas dizem que cenário é improvável
Autor: Daniel Menezes
Decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) de bloquear contas de brasileiros que espalham desinformação nas redes sociais, mesmo baseadas fora do Brasil, provocaram uma reação do presidente norte-americano Donald Trump nos últimos dias: uma de suas empresas, a Trump Media, moveu uma ação judicial contra o ministro Alexandre de Moraes alegando que ele, por conta própria, tenta censurar empresas americanas e pessoas que vivem no país.
Esta semana, viralizou na web um vídeo em que um advogado brasileiro comenta um pedido de liminar das empresas Trump Media e Rumble para tentar retirar a “imunidade diplomática” do ministro brasileiro e, assim, fazê-lo responder criminalmente por desobedecer ritos e formalidades de acordos bilaterais entre Brasil e Estados Unidos.
O advogado é Jeffrey Chiquini, que defende o tenente-coronel Rodrigo Bezerra de Azevedo, um dos réus no inquérito do golpe. Segundo ele, Trump teve uma “grande sacada” com a liminar, porque se Moraes perder a “imunidade diplomática” e resolver desobedecer uma ordem judicial dos Estados Unidos, ele comete um crime e seu nome pode ser incluído na lista de difusão vermelha da Interpol.
No entanto, especialistas em Direito Internacional ouvidos pelo Verifica dizem que a legislação dos Estados Unidos não prevê esse tipo de manobra. Ainda que algum juiz tome a decisão de intimar Alexandre, o processo não seria tão simples. Para eles, é prematuro pensar, desde já, na inclusão do nome do ministro brasileiro na lista da Interpol.
Ministro Alexandre de Moraes, do STF, durante interrogatório do ex-presidente Jair Bolsonaro, réu no inquérito do golpe Foto: Antonio Augusto/ST
O que é a ação da Rumble e da Trump Media?
No início deste mês, as empresas Rumble e Trump Media – criada em 2021 e ligada ao presidente americano – entraram com uma ação na Justiça dos Estados Unidos contra o ministro do STF Alexandre de Moraes. O argumento é que o juiz brasileiro tenta censurar ilegalmente as empresas ao ordenar que suspendam as contas de pessoas que moram nos Estados Unidos.
A petição afirma que, embora Estados estrangeiros e suas agências desfrutem de imunidade diplomática, isso não se aplica aos funcionários “supostamente atuando em nome de um Estado estrangeiro”. As duas empresas, então, pedem:
- Que o ministro, pessoalmente, seja julgado pelo Tribunal de Tampa, na Flórida;
- Que as ordens de Alexandre sejam declaradas inexequíveis (que não podem ser executadas) nos Estados Unidos;
- Que as causas da Rumble e da Trump Media contra Moraes sejam julgadas favoráveis às empresas;
- Que seja concedida medida cautelar proibindo a execução das ordens de Moraes nos Estados Unidos;
- Que o ministro seja proibido de compelir terceiros – como Google ou Apple – a remover o app Rumble das lojas de aplicativos;
- Que sejam concedidos todos os danos às empresas decorrentes das ordens do ministro.
Em fevereiro deste ano, as duas empresas haviam acionado a Justiça estadunidense contra Moraes pelo mesmo motivo. Na ocasião, a juíza Mary Scriven decidiu não julgar o mérito da ação por entender que a Rumble e a Trump Media não precisavam cumprir as ordens de Moraes nos Estados Unidos.
Em um trecho de uma entrevista que se tornou viral nas redes, o advogado Jeffrey Chiquini supõe que, caso a Justiça americana julgue favorável a ação das empresas Rumble e Trump Media, Moraes irá “dobrar a aposta”, descumprindo as ordens judiciais dos Estados Unidos, o que é crime no país da América do Norte.
“Pode sair mandado de prisão. Ele pode ir para Interpol e ele pode entrar na lista vermelha e nunca mais sair do Brasil. Foi essa a sacada do Trump”, disse.
O que o Direito Internacional diz sobre o tema?
O Verifica consultou três especialistas em Direito Internacional: os advogados Saulo Stefanone Alle, doutor pela Universidade de São Paulo (USP); Elaini Silva, também doutora pela USP e professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP); e Maristela Basso, professora da USP.
Stefanone Alle explica que não há lógica em uma eventual decisão da Justiça dos Estados Unidos se sobrepor aos atos da Justiça brasileira. “Todas as atuações do ministro Alexandre de Moraes relacionadas ao caso são atos do Estado brasileiro. A premissa básica é que o ministro é um agente do Estado brasileiro e age como Estado brasileiro”, disse.
Para ele, justamente por ser um representante do Estado é que há uma imunidade, e esta imunidade não é seletiva. “Não faz sentido jurídico que uma outra Justiça nacional julgue um agente do Estado brasileiro para definir se ele está aderente ou não às normas do Estado. É uma questão de soberania”, disse.
Ferir isso, explica Stefanone Alle, seria ir de encontro a um princípio básico do Direito Internacional que diz respeito à igualdade dos Estados, independentemente do tamanho ou da influência deles.
A professora Elaini Silva, da PUC-SP, concorda e acrescenta que, se o governo americano seguir tanto a legislação do país quanto o Direito Internacional, essa suposta “sacada” de Trump para impor sanções a Moraes não é possível juridicamente.
“Moraes não está agindo como pessoa física. Ele está vestido como uma autoridade pública brasileira. Tanto no Direito Internacional quanto no dos Estado Unidos, existe a ideia de que um Estado soberano não pode ser julgado pelo outro. Isso é definido pela Lei de Imunidades Soberanas Estrangeiras, que é uma lei da década de 1970”, afirmou.
Há restrições à aplicação dessa lei, mas Silva diz não ser o caso dos atos de Moraes. As exceções se aplicam a atividades exercidas pelo Estado enquanto agente privado, mas as ordens assinadas por Moraes não se enquadram dessa forma.
“Não existe dentro do Direito dos Estados Unidos esta possibilidade de que o Estado soberano seja julgado. E é bom a gente lembrar que o Moraes não está atuando como Moraes, e sim como uma representação do judiciário brasileiro. Ele falando, é o Estado falando”, apontou.
E se houver uma decisão assim, ele pode ir parar na lista da Interpol?
Primeiro, seria preciso que algum juiz estadunidense julgasse procedente a ação da Trump Media e da Rumble e, contrariando os princípios do Direito Internacional, considerasse as ordens judiciais do Supremo como medidas pessoais do ministro Alexandre de Moraes.
A professora Maristela Basso, da USP, disse até ser possível que, caso um juiz acate a ação das empresas, Moraes seja citado. Mas ela acredita que a possibilidade é remota e aponta que o processo não é tão simples assim. “Ele sabe que há uma ação contra ele por causa da mídia, mas é preciso que chegue no Brasil pelos caminhos corretos, legais, constitucionais”, explicou.
“É preciso que venha de lá uma decisão de um juiz mandando citar ou intimar ele via cooperação jurídica internacional. É preciso que essa comunicação chegue ao Ministério da Justiça e é o ministério que vai fazer chegar até ele, e então ele vai ter um prazo para se defender. Mas o juiz americano pode nem considerá-lo um cerceador [da liberdade de expressão]”, completou.
Para Elaini Silva, no atual contexto, há um risco de que os Estados Unidos desrespeitem os limites da própria legislação. “Juridicamente, não é uma estratégia, é uma jogada. O risco é de o Estado dos Estados Unidos querer violar o próprio direito dos Estados Unidos”, alertou.
Saulo Stafanone Alle acredita que uma decisão assim seria absurda, mas, se ocorrer, há regras na própria Interpol. “Mesmo que um Estado, numa situação absurda dessa, resolvesse emitir uma ordem de prisão contra uma autoridade de outro Estado, a Interpol faz um controle daquilo que está sendo processado e ela pode ou não incluir uma acusação dessa na lista vermelha”, acrescentou.
Como funciona a lista de difusão vermelha?
De acordo com a Interpol, o alerta vermelho é um pedido de prisão provisória emitido pelo Secretário-Geral da organização a pedido de um dos países membros – são 196, incluindo Brasil e Estados Unidos.
Esses pedidos têm como alvo indivíduos pendentes de extradição e com um mandado de prisão nacional válido, mas não são mandados de prisão internacional. Ou seja, os países membros são livres para seguir suas próprias leis e não são obrigados a prender os procurados.
“Os indivíduos em questão são procurados por jurisdições nacionais (ou Tribunais Penais Internacionais, quando apropriado) e o papel da Interpol é ajudar as forças policiais nacionais a identificar ou localizar esses indivíduos com vistas à sua prisão e extradição”, disse a Interpol, em nota ao Verifica.
Delegado da Polícia Federal brasileira Valdecy Urquiza foi nomeado como secretário-geral da Interpol Foto: Reprodução/Polícia Federal
A organização disse ainda que só emite avisos vermelhos se os pedidos estiverem em conformidade com a Constituição da entidade. As regras “proíbem a Interpol de emitir um Aviso por motivos políticos, religiosos, raciais ou militares”.
Saulo Stafanone Alle reforça que a instituição não inclui automaticamente nomes na lista vermelha. “A Interpol tem instâncias para que você discuta se determinada inclusão é adequada e correta, porque erros podem acontecer e as injustiças podem ser graves. Então, há um mecanismo de controle”, disse.
O outro lado
Procurado pelo Verifica, o advogado Jeffrey Chiquini disse em nota que o pedido da defesa de Donald Trump é para “afastar a imunidade diplomática do ministro Alexandre de Moraes, para que ele seja tratado juridicamente como cidadão comum” na ação. Ou seja, a defesa do presidente estadunidense acredita que Moraes tem agido “por conta própria”, e não representando o Estado brasileiro, quando emite as decisões judiciais.
Ele repetiu que, caso a liminar seja concedida e Moraes a descumprir, ele pode cometer um crime nos Estados Unidos, e compartilhou um trecho da ação com o argumento da Rumble e da Trump Media, que considera que os atos de Moraes são “ultra vires”, ou seja, estão fora do escopo de sua autoridade.
“A verdadeira violação à soberania nacional seria tentar impedir que aquele Estado exerça, com independência, a aplicação de sua legislação interna. Para que uma autoridade usufrua de imunidade, deve agir dentro dos estritos limites da lei e observar os ritos e formalidades exigidos por tratados e convenções internacionais”, disse Chiquini.
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