14 de dezembro de 2025

RN registra crescimento de 23% no número de feminicídios em 2025

Autor: Daniel Menezes

Da Tribuna do Norte

Por Gabriela Liberato
Repórter

O Rio Grande do Norte registrou 21 feminicídios entre janeiro e novembro deste ano, um aumento de 23% em relação a 2024, quando foram contabilizadas 17 vítimas, segundo a Secretaria Estadual de Segurança Pública (Sesed). Para a delegada Victoria Lisboa, titular da Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher das Zonas Leste, Oeste e Sul (DEAM/ZLOS), o crescimento pode refletir tanto o avanço da violência quanto o maior número de mulheres que buscam ajuda: “Fazemos uma média de 12 boletins de ocorrência por dia”.

“É difícil afirmar a razão desse aumento: não sabemos se se dá porque as mulheres estão sendo mais agredidas ou porque estão procurando mais ajuda”, explicou. Para ela, o movimento revela uma combinação dos dois fatores, impulsionada pela maior visibilidade de casos recentes.

 

Outro ponto destacado pela delegada é a crueldade crescente observada nos episódios investigados. Segundo ela, não se trata apenas de números maiores, mas de um padrão de agressões mais brutais. “A violência está ficando mais cruel. O modo como os crimes estão sendo praticados tem um caráter muito pesado”, disse ela, que também reforçou que os casos recentes revelam ataques premeditados e insistentes.

A percepção de que a violência é generalizada também preocupa. Victoria afirma que não há um perfil único de vítima: as agressões atravessam classes sociais, bairros e realidades distintas. “Atendemos mulheres de todas as regiões e classes, e o requinte de crueldade não diverge”, afirmou. Segundo a delegada, a ideia de que feminicídios acontecem apenas em contextos específicos impede que muitas mulheres reconheçam sinais de risco.

 

“Percebemos que mulheres de classes sociais mais altas acabam tendo o receio de fazer a denúncia pelo medo da exposição na sociedade, enquanto as mulheres de classes baixas temem pela não resolução do caso, acabam não acreditando que a denúncia seja uma solução”, explicou.

As medidas protetivas, embora fundamentais, dependem de execuções rápidas para serem eficazes. Victoria enfatiza que a resposta do sistema de justiça — da expedição ao cumprimento — precisa ser imediata. “A celeridade faz toda a diferença”, afirmou. Quando há descumprimento, ela reforça que a comunicação rápida à polícia pode resultar em prisão em flagrante e evitar que o caso evolua para violência letal.

Por fim, a delegada defende que denunciar cedo pode salvar vidas, inclusive nos casos mais graves, que ganham repercussão nacional. “Muitas acham que nunca vai acontecer com elas. Mas acontece”, alertou. Para Victoria, a exposição desses episódios pode incentivar outras mulheres a romperem o silêncio e procurarem a rede de proteção antes que a violência atinja níveis irreversíveis.

 

Casos continuam a chocar

Em julho de 2025, um episódio de violência de gênero em Natal/RN chamou a atenção de todo o Brasil: Juliana Garcia dos Santos, de 35 anos, foi brutalmente espancada por 61 socos efetuados pelo ex-namorado, o ex-atleta Igor Eduardo Pereira Cabral, dentro do elevador de um condomínio — onde câmeras registraram toda a agressão. O agressor foi preso e tornado réu por tentativa de feminicídio. O caso ganhou ampla repercussão nacional e expôs, mais uma vez, como mulheres seguem vulneráveis mesmo em espaços considerados seguros.

A delegada Victória Lisboa destacou que o caso de Juliana só pôde ser rapidamente esclarecido devido à existência das imagens de câmera, que revelaram a violência extrema e foram determinantes para o enquadramento do crime. “As imagens de câmera foram realmente muito importantes. Aquilo ali, para mim, foi crucial para ser colocado como tentativa de feminicídio”, afirmou. Segundo ela, a obtenção imediata dessas imagens foi decisiva porque “as imagens costumam desaparecer muito rápido”, o que costuma dificultar investigações semelhantes.

 

A delegada também avaliou que a resposta do sistema de proteção funcionou de forma ágil nesse caso. “Tudo convergiu realmente para auxiliá-la da melhor maneira”, disse, ressaltando que Juliana tem desempenhado um papel importante ao encorajar outras mulheres a denunciar.

No decorrer das duas semanas do mês de dezembro, o país voltou a presenciar mais episódios de brutalidades: em São Paulo, Tainara Souza Santos, de 31 anos, foi atropelada e arrastada por cerca de um quilômetro pelo ex-companheiro na Marginal Tietê. A violência resultou na amputação das duas pernas da vítima. O agressor, Douglas Alves da Silva, alegou à polícia que “não percebeu” que havia atropelado a ex-companheira, versão considerada incompatível com a extensão dos ferimentos. Ele foi preso e tornado réu por tentativa de feminicídio na última quarta-feira (10).

 

No Distrito Federal, um caso envolvendo militares expôs uma outra ambientação da violência de gênero: a cabo Maria de Lourdes Freire Matos, de 25 anos, foi assassinada a facadas e encontrada carbonizada dentro de um quartel do Exército na sexta-feira (5). O soldado Kelvin Barros da Silva, com quem a vítima mantinha um relacionamento, confessou o crime e foi preso. A investigação aponta feminicídio com ocultação de cadáver, cometido dentro de um ambiente institucional onde a vítima deveria estar protegida.

O estado de São Paulo também registrou outros episódios de violência extrema recentes. Em um deles, a farmacêutica Daniele Guedes Antunes, de 38 anos, foi morta a facadas pelo ex-marido dentro de casa no domingo (7), reforçando o padrão de ataques letais após o fim de relacionamentos — eles tinham dois filhos, de 18 e 11 anos, e o mais novo presenciou o crime. Em outro caso paulista, Maria Katiane Gomes da Silva, de 25 anos, morreu após cair do 10º andar de um prédio; o que foi tratado inicialmente como caso de suicídio, foi dado como caso de feminicídio após imagens de segurança mostrarem agressões do companheiro pouco antes da queda.

 

País falha na prevenção e na proteção das vítimas

Dados do Ministério das Mulheres reforçam a urgência de se tratar o tema. O Brasil registrou no último ano 1.450 feminicídios, além de 2.485 homicídios dolosos e lesões corporais seguidas de morte contra mulheres. A persistência desses números comprova que o país falha tanto na prevenção quanto na proteção, e que romper esse ciclo exige ação imediata, articulada e coletiva.

A dimensão da violência contra mulheres no Brasil em 2025 ganha contornos ainda mais preocupantes quando observada a partir do Mapa Nacional da Violência de Gênero, elaborado pelo Senado Federal. O levantamento mostra que 58% das mulheres que sofreram violência neste ano não procuraram uma delegacia, revelando um índice de subnotificação policial que mantém grande parte dos casos fora das estatísticas oficiais. A Pesquisa Nacional de Violência contra a Mulher reforça esse quadro ao apontar que 23,6 milhões de brasileiras declaram já ter sido vítimas de violência doméstica e/ou familiar em 2025.

 

A pesquisa também destaca que a maioria destas agressões ocorreu dentro de relações íntimas, com 62% dos agressores identificados como marido ou companheiro, 11% como ex-companheiro e 8% como namorado. Além disso, os números também apontam que os episódios raramente acontecem sem testemunhas: 71% das agressões são presenciadas por outra pessoa, e, em 71% desses casos, quem presencia são crianças. Segundo o estudo, esse dado evidencia o quanto a violência contra mulheres “ultrapassa a vítima direta e afeta de forma profunda o ambiente familiar e o desenvolvimento das próximas gerações”.

Segundo o mesmo levantamento divulgado pelo Senado Federal, os registros nacionais de segurança pública confirmam, ainda, perfis distintos de vitimização conforme o tipo de crime. A maior parte das vítimas de estupro são meninas de até 17 anos, enquanto os feminicídios atingem principalmente mulheres adultas: 57% das vítimas tinham entre 30 e 59 anos em 2025. Entre os casos de estupro, a faixa dos 18 a 29 anos representa 33% dos registros deste ano, indicando que a violência sexual e o feminicídio atingem perfis etários diferentes, mas refletem o mesmo cenário de risco contínuo para mulheres e meninas no país.

 

Procuradoria da Mulher: ALRN amplia atuação diante da escalada da violência

No Rio Grande do Norte, o avanço dos feminicídios reacendeu o papel da Procuradoria Especial da Mulher da Assembleia Legislativa (ProMulher), criada em 2023 como órgão independente destinado a promover direitos, fortalecer a autonomia feminina e articular ações de enfrentamento à violência de gênero. Com o aumento dos assassinatos de mulheres, o órgão busca reforçar mecanismos de prevenção, acolhimento e interiorização das políticas públicas.

A Procuradoria concentra sua atuação em duas frentes principais: articulação legislativa — com debates, projetos e protocolos voltados à prevenção da violência — e ações práticas que aproximam o Parlamento das mulheres potiguares. Entre essas iniciativas estão a implantação de Procuradorias Municipais, Salas Lilases, campanhas educativas, audiências públicas e parcerias com órgãos como TJRN, MPRN, OABRN e instituições de saúde e educação. O fortalecimento das ações nos municípios também se tornou prioridade diante das limitações de acesso a serviços especializados no interior.

 

Além das medidas em andamento, o órgão aposta na educação como estratégia de longo prazo para a redução da violência. Um dos principais projetos em execução é o Maria da Penha vai às Escolas, que trabalha letramento de gênero com adolescentes da rede pública. “Quando levamos o debate para dentro das escolas, plantamos sementes de respeito que protegerão as mulheres do amanhã”, afirma a deputada Cristiane Dantas.

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