14 de dezembro de 2025
O Sequestro do Orçamento e a Distorção Eleitoral: O Impacto das Emendas Parlamentares no Brasil
Autor: Daniel Menezes
Por Ricardo Valentim
Professor Associado da UFRN
A política brasileira tem testemunhado uma profunda e preocupante transformação, a ascensão do Poder Legislativo sobre o Poder Executivo através do domínio do Orçamento da União. O que se convencionou chamar de "sequestro" ou "Parlamentarismo Orçamentário" não é um fenômeno recente, mas atingiu um patamar crítico que impacta diretamente a governabilidade, o desenvolvimento socioeconômico e a própria integridade eleitoral do país.
1. O Crescimento Exponencial e a Imposição Orçamentária
O ponto de inflexão ocorreu com a Emenda Constitucional 86/2015, que instituiu as emendas individuais impositivas (obrigatórias). Embora o Executivo ainda seja o principal proponente orçamentário, a capacidade de veto e direcionamento de recursos foi drasticamente reduzida.
O ápice desse domínio foi o uso das extintas Emendas de Relator (RP9) – operadas sem transparência e sob intenso escrutínio – e, mais recentemente, o crescimento contínuo do volume
total de recursos sob controle dos parlamentares:
1) Em 2014, o total de emendas empenhadas girava em torno de R$ 6,14 bilhões.
2) Em 2024, o montante autorizado para emendas (individuais, de bancada e de comissão)
ultrapassa R$ 50 bilhões, representando uma fatia significativa das despesas discricionárias da União. Essa alocação massiva de recursos retira do Executivo a capacidade de traçar uma agenda nacional coerente e, em seu lugar, impõe uma agenda baseada em interesses localizados e regionais de cada parlamentar. O Brasil perde coerência na condução de políticas públicas estruturantes, — assistimos inertes a indução do empobrecimento da execução técnica e qualificada das políticas públicas.
2. O Financiamento Eleitoral "Oculto" e a Vantagem dos Incumbentes O problema das emendas transcende a mera disputa de poder; ele se torna um mecanismo de financiamento político extremamente poderoso e opaco. A grande questão é: qual o real impacto dessas emendas nas eleições brasileiras?
O direcionamento de verbas (seja para obras, equipamentos ou as chamadas "Emendas PIX" de transferência especial) permite ao parlamentar, ou incumbente, construir uma base eleitoral sólida e “devedora de favores —, é velho toma lá, dá cá”, em seus redutos. Uma obra financiada com emenda, por exemplo, é capitalizada politicamente pelo seu autor junto aos eleitores e prefeitos, funcionando como uma doação de campanha indireta e bilionária paga com o dinheiro público. Não estou incluindo nesta consideração a corrupção direta, quando o legislador obtém dinheiro ou vantagem pessoal com o envio das emendas, uma espécie de “comissão” pela
concessão.
Esse mecanismo cria um desequilíbrio eleitoral inaceitável:
1) Os candidatos que já detêm mandato e acesso a esses bilhões gozam de uma vantagem competitiva brutal nas urnas, pois podem "comprar" o apoio das lideranças locais com
recursos federais.
2) Em contrapartida, os "outsiders", ou candidatos sem mandato, têm dificuldade imensa de competir com o volume de entregas e visibilidade que o acesso às emendas proporciona. Essa dinâmica perpetua as mesmas figuras no Congresso, minando a renovação e a fiscalização.
3. Emendas vs. Fundos: O Custo do Sistema Político
Antigamente, parte da imprensa atacava o financiamento privado, que passou de lícito a imoral, por fim, foi criminalizado e hoje é considerado ilegal. O modelo atual de financiamento público é composto pelo Fundo Partidário (FP) e pelo Fundo Eleitoral (FEFC):

O Brasil destina uma cifra bilionária para os fundos de campanha, pagos com nossos impostos. No entanto, o montante canalizado pelas emendas (mais de R$ 40 bilhões anuais) é vastamente superior, operando fora das regras rígidas do financiamento eleitoral — uma verdadeira aberração criada no Brasil.
O país cometeu um erro ao criminalizar as doações privadas sem ter um modelo de financiamento público que fosse, ao mesmo tempo, transparente e capaz de isolar o Orçamento da barganha política. O resultado é que o povo paga duas vezes: 1) pelos Fundos e, 2) de forma muito mais custosa, pelo uso das emendas para cooptar votos, o que distorce a representatividade.
4. O Impacto no Desenvolvimento Socioeconômico
A consequência de toda essa lambança é sentida no nível macro. Enquanto o Congresso foca em garantir sua base eleitoral com emendas, a pauta nacional de Estado é negligenciada. O Brasil, ainda um país de renda média, tem muita dificuldade em mudar essa rota, perdendo a chance de promover de fato uma verdadeira inclusão social através de investimentos políticos realmente estruturantes e não meramente assistenciais compensatórias.
O uso de recursos públicos para cooptar votos deveria ser tipificado como crime eleitoral. É urgente que todas as emendas sejam escrutinadas e que haja investigação firme sobre a relação causal entre o volume destinado e o sucesso eleitoral dos parlamentares, garantindo que o Orçamento da União sirva ao país, e não apenas à reeleição de candidatos sem escrúpulos.
Chama muito a atenção a quantidade de tomógrafos computadorizados comprados com emendas parlamentares, especialmente porque muitos estão sem uso ou subutilizados em diversos hospitais públicos em todo o país. Por que o Brasil adquire esses equipamentos caros para que fiquem parados ou sejam subutilizados? Este é apenas um exemplo da má condução das políticas públicas. Basta fazer alguns questionamentos para identificar que o uso de emendas parlamentares sem a devida regulação é inadequado, pois subverte o interesse público.