13 de dezembro de 2025

‘Se minha amiga falar, aí cai tudo’: colegas de Fialek a estimulam a delatar chefes

Autor: Daniel Menezes

Do ICL - A advogada gaúcha Mariângela Fialek da Silva foi o alvo único da Operação Transparência deflagrada pela Polícia Federal a pedido do Ministério público Federal e autorizada pelo gabinete do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal. Em tom de piada, quando conversam descontraidamente durante animados convescotes embalados à base de música sertaneja goiana ou sofrência baiana e regados por vinhos de rótulos impagáveis para 99% dos brasileiros, muitos deputados e alguns senadores se referem a ela como “a CEO de nossa holding”.

Em clima de fim de festa, por volta das 5h45min da manhã da 6ª feira 12 de dezembro de 2025, agentes da PF, acompanhados de procuradores da República, amanheceram no apartamento de Mariângela Fialek, no Bloco A da SQSW 300, no setor Sudoeste, em Brasília, e numa sala do Anexo 2 da Câmara dos Deputados. É ali que a funcionária pública não concursada despacha com deputados, senadores e assessores parlamentares com o objetivo de definir para onde, para quem e em que momento seriam liberadas verbas públicas do Orçamento Geral da União. É ela quem estabelece as prioridades orçamentárias, sempre depois de ouvir o ex-chefe formal que segue como seu mentor informal, Arthur Lira. Só depois dessas instruções do “presidente do Conselho” da “holding” (para ficar no campo semântico da galhofa de vossas excelências), as emendas são enfim direcionadas para os parlamentares determinados.

Fialek recebe da Câmara um salário de R$ 23,7 mil, topo da carreira para não concursados, e está vinculada à Casa desde 2021. Chegou àquele posto a convite do deputado Arthur Lira (PP-AL), então recém-eleito presidente da Câmara. Quatro anos depois, quando Lira entregou a cadeira da presidência ao afilado Hugo Motta (Republicanos-PB), com quem agora anda às turras, acertou-se que “Tuca”, como Mariângela se tornou conhecida pelos colegas de trabalho e também entre os políticos, seria transferida com o salário do topo de careira para os quadros da liderança do PP na Câmara. Acertou-se, porém, que mesmo destituída do prestigioso crachá que a vincularia à Presidência da Mesa, a advogada seguiria na mesma sala que pertence ao organograma de espaços da administrativo da Casa Legislativa. Além disso, manteria a função de principal: direcionar as emendas parlamentares a serem pagas com o Orçamento da União por meio das emendas impositivas, das “emendas pix”, das “emendas de comissão” e das “emendas de bancada”.

Decisão de Dino é precisa e lapidar

O ministro Flávio Dino é o relator da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 854 (ADPF 854), impetrada pelo Psol, que visa esclarecer os meandros das destinações orçamentárias das emendas ao Orçamento Geral da União. Desde abril de 2024, quando a ADPF 854 foi herdada por seu gabinete do arquivo remanescente da ex-ministra Rosa Weber, ele se dedica ao escrutínio de todas as despesas orçamentárias pagas com o erário por determinação dos comandos do Congresso de 2020 para cá. A ação determinada para ocorrer no início da manhã desta última 6ª feira não tem relação direta (ainda) com a ADPF 854. É uma investigação correlata, por enquanto.

Em relação a este ano de 2025, mais de 70% das emendas pagas já estão nos conformes de transparência e rastreabilidade em razão do cumprimento de cautelares impostas pelo Supremo com o auxílio do MPF, da AGU, da CGU, do TCU, das presidências dos bancos BB, Caixa e BNB e até mesmo da Advocacia Geral do Senado e da Câmara. Mas, entre 2021 e 2024, justamente o período em que a holding informal “presidida” pela CEO Mariângela e tendo Lira à frente de seu “Conselho de Administração”, reina o obscurantismo, a irrastreabilidade e o mistério sobre a verdadeira autoria da maioria das emendas e o processo de licitação de obras públicas por meio das quais empresas e fornecedores privados se tornam aptos a fornecer bens e serviços para a União ou para os entes federados.

Mariângela Fialek não teve a prisão decretada pelo ministro do STF. Nem isso foi pedido pelos investigadores, pois não se fazia necessário. Flávio Dino sequer mandou demiti-la e deixá-la sem salário. Determinou apenas que a ex-assessora e eterna fiel escudeira de Lira  seja afastada de quaisquer atos designatórios relacionados a gastos com emendas parlamentares. Eles têm indicações firmes de que ela colaborará com as investigações. Os sigilos fiscal, bancário, telefônico e telemático dela foram quebrados. Em seu apartamento do Setor Sudoeste foram recolhidos celulares, laptops, tablets, cadernos de anotações e uma mala de arquivo, além de pen-drives. Na sala da Câmara, Quartel General da Tropa de Choque de parlamentares de amplo espectro partidário que cerravam fileiras em defesa de Mariângela e de seus métodos de “executiva do Orçamento Secreto”, muitos papéis, computadores, arquivos, tablets e até mesmo um celular funcional foram recolhidos pelos policiais federais e procuradores. Bens pertencentes a outros funcionários que trabalhavam na mesma sala também foram levados. “Se minha amiga falar, aí cai tudo”, disse no meio da manhã de ontem uma colega de sala de Mariângela Fialek depois que força-tarefa enviada por ordem do ministro Dino deixou a repartição. “Ela é uma pessoa honesta, correta, exemplar. Mas, cumpria ordens. Isso cumpria à risca. Eu, se fosse ela, falava tudo”.

Fialek assessorou o ‘Centrão’

Mariângela Fialek graduou-se em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul em 1998 e tem o mestrado em Direito do Estado pela Univrsidade de São Paulo. Depois de atuar de forma destacada como profissional de Relações Governamentais para diversas entidades paraestatais como o Instituto Euvaldo Lodi, vinculado à Confederação Nacional da Indústria, e para a organização não-governamental Casa Política, desembarcou no perigoso mundo da assessoria política direta atendendo a um chamado do ministro da Casa Civil de Michel Temer, o também gaúcho Eliseu Padilha, no período em que o ex-vice de Dilma Rousseff ocupou a presidência com a deposição da ex-presidente. Essa assessoria para a Casa Civil levou-a a integrar os conselhos fiscais do BNDES, da empresa Pré-Sal Petróleo e a se tornar subchefe da Assessoria Parlamentar da Presidência da República (comandada por Temer). De lá, foi para o Ministério do Desenvolvimento Regional levada pelo senador Romero Jucá (PMDB-RR), cujo gabinete chefiou nos tempos de Senado. A passagem de Jucá pelo MDR de Temer foi de apenas 15 dias, defenestrado por denúncias. De volta ao Senado, Mariângela assessorava o senador por Roraima sobretudo na relação dele com o Poder Judiciário com associações de magistrados. Ela trabalhava com Jucá quando ele foi gravado pelo ex-senador Sérgio Machado, nos primórdios da Operação Lava Jato, dizendo que era preciso “estancar a sangria” do lavajatismo do Ministério Público tirando Dilma Rousseff da presidência da República e fazendo um acordo “com o Supremo, com tudo”.

Entre 2019 e 2020, no início do governo Jair Bolsonaro, a advogada gaúcha perdeu o cargo no Planalto, mas, levada por amigos que fez no MDB “temerista”, foi indicada para assumir a Subsecretaria de Assuntos de Governo do Estado de São Paulo no período de João Doria. Mexia com emendas parlamentares também no Palácio do Morumbi. Em fins de 2020, ele foi puxada de volta a Brasília para uma assessoria do Ministério de Desenvolvimento Regional e recebeu como prêmio de consolo salarial um posto no Conselho Fiscal na Codevasf – Companhia de Desenvolvimento dos Vales dos Rios São Francisco e Parnaíba.

Por meio de emendas “mágicas” patrocinadas pelo senador Davi Alcolumbre, presidente do Senado também naquele momento, como agora, a Codevasf havia sido transformada num mostrengo para gastanças orçamentárias por meio de emendas parlamentares. Mesmo a milhares de quilômetros de distância do leito, do vale ou da foz dos rios São Francisco e Parnaíba,  cidades como a Macapá de Alcolumbre ou a Goiânia de Ronaldo Caiado receberam escritórios regionais da Codevasf. A empresa que era para desenvolver perímetros irrigados por grandes rios perenes do Nordeste se converteu, sob Bolsonaro, com o comando de Alcolumbre e tendo a assessora de Arthur Lira à frente, na maior calçadora de ruas e obreira de meios-fios da República – tudo feito por licitações chinfrins beneficiando empresas que eram pagas com verbas da União determinadas a partir das emendas impositivas e das emendas pix emanadas do Congresso Nacional.

Em janeiro de 2021, o senador Ciro Nogueira, que conhecia Mariângela desde os tempos de Michel Temer e sabia que ela tinha excelente relação com seu futuro secretário-executivo Jonathan Assunção (também investigado pelo STF, pela PF e pelo MPF em outras ações relativas à ADPF 854 e ainda respondendo a ações de investigação do Grupo Refit e do empresário Ricardo Magro na Operação Poço de Lobato), levou-a pelas mãos até Arthur Lira. Deu match.

Jonathan já era o executivo da Casa Civil do general Braga Neto e resolvia tudo das emendas no Palácio do Planalto. Fialek batia bola com ele em sintonia fina, como se fossem uma dupla improvável entre Marta e Pelé tabelando nos gramados insondáveis do Orçamento da União. Mas, nem Jonathan é Pelé, nem Mariângela é Marta, e nem o Orçamento Secreto se presta a um campo digno para pelejas limpas: é um charco. Para dobar o salário que ganhava na Câmara, Mariângela se tornou integrante do Conselho Fiscal da Caixa Econômica, cujo presidente é indicado por Arthur Lira tanto agora, como no período de Bolsonaro na presidência do segundo maior banco público federal.

O currículo de Mariângela Fialek a pôs sempre perto e, às vezes, dentro do circuito do perigo. Porém, não há evidências de que tenha se locupletado nas ações investigadas pelo Supremo Tribunal Federal. É por isso que entre os conselheiros de investigação de Dino na ADPF 854 se imagina que a advogada pode atender aos apelos dos colegas de trabalho na Câmara e falar o que sabe das patranhas cometidas com o Orçamento da União em sua versão “Orçamento Secreto”, impositivo, pago por meio de “emendas pix” e nas categorias de emendas individuais, de bancada e de comissão. O ano de 2025 está muito longe de acabar em Brasília, apesar de ser já meados de dezembro pelo calendário gregoriano.

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