4 de dezembro de 2025
O QUE ESTÁ POR TRÁS DO SIGILO - O maior escândalo eleitoral da história de Natal: GAECO revela máquina de assédio, uso da máquina e compra de votos dentro da prefeitura em 2024
Autor: Daniel Menezes
A Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) nº 0600440-31.2024.6.20.0004, movida pelo Ministério Público Eleitoral, acusa o ex-prefeito Álvaro Dias, o atual prefeito Paulinho Freire, a vice Joanna Guerra, os vereadores Daniell Rendall e Irapuã Nóbrega e o diretor da ARSBAN Victor Matheus Diógenes de terem transformado a Prefeitura do Natal num grande comitê eleitoral nas eleições de 2024. O pedido é de cassação de mandatos e inelegibilidade por oito anos, por abuso de poder político e econômico.
Os relatórios técnicos do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECO) – reunidos no extenso PDF juntado aos autos – descrevem um “sistema de coerção” que atravessa secretarias, autarquias e núcleos da administração: ARSBAN, SEMSUR, SME, SEMTAS, Secretaria de Direitos Humanos (SEMIDH) etc. A lógica se repete: pressão sobre comissionados, servidores e terceirizados, uso de grupos de WhatsApp oficiais para convocar atos de campanha, listas de presença, ameaças de demissão e utilização de serviços públicos para favorecer os candidatos governistas.
A seguir, o quadro probatório – em linhas gerais – tal como descrito pelos relatórios do GAECO, pela AIJE do MPE e por decisões e reportagens que tiveram acesso aos documentos.
1. O desenho geral: secretarias loteadas, serviços e empregos em troca de apoio
A peça inicial do Ministério Público afirma que Álvaro Dias “orquestrou” o esquema, loteando secretarias e órgãos para garantir apoio à chapa Paulinho–Joanna e aos vereadores Daniell Rendall e Irapuã. A denúncia descreve que lideranças comunitárias eram procuradas com promessas de serviços (obras, ações da prefeitura) em seus bairros e de vagas terceirizadas na estrutura municipal, em troca do compromisso de apoiar e mobilizar votos para os candidatos do grupo.
Essa engenharia política, segundo a AIJE, teria sido operacionalizada justamente a partir das secretarias citadas nos relatórios do GAECO – ARSBAN, SEMSUR, SME, SEMTAS e outras pastas. O objetivo, de acordo com o Ministério Público, foi mover a máquina pública administrativa municipal “como um todo” para favorecer um projeto eleitoral específico.
2. Coação generalizada de servidores: listas de presença, ameaças e demissões
Os relatórios técnicos do GAECO são explícitos ao descrever o padrão que teria se instalado na máquina municipal. Em mais de um parecer, a promotoria especial registra que:
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servidores comissionados e terceirizados sofreram coação e ameaças para apoiar os candidatos Daniell Rendall, Irapuã Nóbrega, Paulinho Freire e Joanna Guerra;
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houve perseguição política e demissões na SEMSUR de servidores que não declaravam apoio ao grupo governista ou admitiam votar em oposicionistas;
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secretários, diretores e outros agentes públicos usaram o cargo para constranger subordinados a comparecer a eventos de campanha e publicar apoio nas redes sociais;
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listas de presença eram preenchidas em atos políticos, e quem não comparecia corria risco de exoneração.
Servidores sofreram coação e ameaças para apoiar os candidatos aliados do governo municipal.
3. ARSBAN: pressão direta, listas e o papel do cunhado de Álvaro
Na ARSBAN, agência reguladora de saneamento de Natal, o GAECO identifica um dos núcleos do esquema. Relatórios sobre os vestígios B7152 e B7159 tratam especificamente da autarquia. Ali, segundo o Ministério Público, diretores e chefias utilizavam seus cargos para:
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exigir o comparecimento de servidores comissionados e terceirizados a caminhadas, reuniões e comícios da campanha;
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controlar presenças por meio de listas ou registros em grupos de mensagens;
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associar a permanência no cargo à participação ativa na campanha.
A figura de Victor Matheus Diógenes (também referido como Victor Diógenes), diretor técnico da ARSBAN e cunhado de Álvaro Dias, ganha destaque: matérias jornalísticas relembram gravação enviada ao Ministério Público do Trabalho em que ele orienta servidores a “pedirem demissão” caso não votassem em Paulinho Freire – o que foi noticiado inclusive pela CNN Brasil.
Essa gravação ajudou a embasar uma ação do MPT/RN que resultou na condenação da Prefeitura do Natal por assédio eleitoral contra servidores, em conduta voltada a favorecer justamente a campanha de Paulinho. A decisão foi revertida em segunda instância porque, apesar de atestar a gravidade da situação, o desembargador alegou que o caso era para ação individualizada e não coletiva.
4. SEMSUR: uso da estrutura de serviços urbanos para a campanha
Na SEMSUR (Secretaria de Serviços Urbanos), os relatórios do GAECO analisam trocas de mensagens em grupos internos, inclusive o chat “Lei 114 aposentadoria E.I”. Na parte de “Considerações Finais” de um desses relatórios, o Ministério Público conclui que:
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houve uso de recursos humanos e materiais da SEMSUR (equipes de limpeza, manutenção de praças, iluminação) em benefício de interesses eleitorais do ex-secretário da pasta, Irapuã Nóbrega, já depois de sua exoneração;
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praças e logradouros eram “adiantados” na limpeza e manutenção para servir de cenário a gravações e ações de campanha de Irapuã, então candidato a vereador, e do grupo governista.
Em áudios transcritos, interlocutores combinam limpeza de determinadas praças e falam em confirmar com auxiliares do ex-secretário as datas de gravações, indicando a vinculação direta entre a agenda de serviços públicos e a estratégia eleitoral.
Os mesmos relatórios que tratam de SEMSUR reiteram que, durante o período eleitoral, servidores foram perseguidos e demitidos por não aderir politicamente ao grupo, reforçando o padrão de coação descrito pelo GAECO. Há conversas dando conta a respeito de compra de voto e transporte irregular de eleitores.
5. SME e escolas: liberação em massa e pressão dentro das unidades
Na área de educação, o material reunido pelo Ministério Público registra:
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áudios de professoras e servidoras da rede, preocupadas com a frequência de liberações de funcionários para participar de atos de campanha em horário de expediente, prejudicando o funcionamento das escolas – especialmente turmas da EJA (Educação de Jovens e Adultos);
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relatos de coação por parte de gestoras que exigiam apoio e mobilização de votos para o vereador Daniell Rendall, sob ameaça de demissão ou retaliação;
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testemunho de servidora agradecendo ao “trabalho de Daniel” por ter conseguido um emprego para a filha, e declarando que votaria nele e buscaria votos, o que o GAECO associa ao uso clientelista da máquina.
Esses episódios aparecem sistematizados em reportagem exclusiva do O Potiguar, que detalha como áudios compartilhados em grupos de servidores foram analisados pelos peritos do Ministério Público.
6. SEMTAS: repetição do modelo de assédio e mobilização forçada
Em relação à SEMTAS (Secretaria de Trabalho e Assistência Social), o Relatório Técnico de Análise nº 220/2025 – dedicado ao vestígio B7115 – insere a pasta no mesmo contexto dos demais órgãos: abuso de poder político contra servidores comissionados e terceirizados, a partir de coação e ameaças ligadas ao apoio eleitoral.
O relatório remete, novamente, ao quadro geral já descrito: secretarias e a ARSBAN funcionando como esteios de uma pressão em cadeia, em que a permanência em cargos e benefícios funcionais estaria condicionada à adesão ao projeto eleitoral do grupo governista.
Foram encontradas listas de mobilização na secretaria para atos de campanha com transporte coletivo de eleitores agendados. Listas de lideranças comunitárias de toda a Natal também foram capturadas na SEMTAS com a atuação de cada liderança, seu indicado e como poderia atuar a favor de Paulinho Freire.
7. SEMIDH: grupo oficial de WhatsApp usado como central de convocação
Um ponto novo é a atuação de Yara Costa, na Secretaria Municipal de Direitos Humanos (SEMIDH). Em ofício, o mandato envia ao GAECO prints de um grupo oficial de WhatsApp da secretaria em que:
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a responsável pelo grupo convoca servidores para participar de eventos da campanha dos investigados;
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as mensagens deixam claro que a presença seria obrigatória;
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o canal institucional da SEMIDH é usado não para assuntos administrativos da política de direitos humanos, mas como instrumento de coordenação de atos de campanha.
O documento afirma expressamente que o grupo foi utilizado “para determinar que os servidores públicos lotados naquela secretaria estavam obrigados a participar dos eventos de campanha promovidos pelos ora investigados”, o que o Ministério Público enxerga como prova direta de assédio eleitoral via instrumento oficial de comunicação interna da secretaria.
8. Participação direta de Álvaro Dias em grupos de assédio e convocação
Nas “novas provas” juntadas pelo GAECO – e tornadas públicas em reportagens do Potiguar – o então prefeito Álvaro Dias aparece diretamente em grupos de WhatsApp nos quais são feitas convocações de secretários, adjuntos e quadros da gestão para ações políticas da campanha.
Matéria de O Potiguar relata que, no início do segundo turno, Álvaro chama secretários e adjuntos para uma “primeira reunião política” e fala em “retomar as atividades”, numa conversa que o Ministério Público enxerga como inserida no contexto do esquema de mobilização da máquina municipal.
Na mesma reportagem, o blog lembra que, nas provas anteriores da denúncia inicial, o GAECO já havia encontrado listas e organogramas na sede do partido Republicanos, com nomes de secretários, Paulinho Freire e Joanna Guerra, associado a táticas de uso de serviços públicos e reuniões com viés eleitoral – elementos que compõem o mosaico probatório da ação.
9. Documentos apreendidos, organogramas e decisões paralelas
A robustez do conjunto probatório é reiterada em várias frentes:
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a AIJE tem como base não apenas depoimentos, mas também documentos apreendidos em buscas autorizadas pela Justiça, incluindo planilhas, listas, organogramas e registros de reuniões vinculando secretarias, lideranças e metas eleitorais;
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decisões judiciais já proferidas em ações trabalhistas reconheceram a prática de assédio eleitoral pela Prefeitura do Natal, reforçando a narrativa de coação institucionalizada sobre servidores;
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reportagens sintetizam que o material inclui áudios, prints de conversas em grupos, documentos oficiais e um rol de testemunhas (ao menos 10) que afirmam terem sido assediadas para votar nos candidatos do grupo ligado a Álvaro e Paulinho;
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Nos testemunhos, aparece a utilização frequente de carros das secretarias para transportar servidores para a campanha de Paulinho Freire.
10. A disputa hoje: questionar as provas porque elas são fortes demais
Diante desse conjunto, a estratégia da defesa, segundo juristas ouvidos por veículos de imprensa, tem sido concentrar fogo na tentativa de anular as provas – especialmente as colhidas por meio das buscas e apreensões e das quebras de sigilo autorizadas pelo Judiciário. A Justiça Eleitoral chegou a suspender temporariamente o andamento da AIJE para aguardar manifestação do TRE/RN sobre a validade dos elementos probatórios.
Como registrou O Potiguar, a insistência de Paulinho Freire, Álvaro Dias e demais acusados em atacar o coração probatório da ação é, em si, um indicativo da força desse material: se as provas forem mantidas, avaliam advogados ouvidos pelo portal, a reversão do processo no mérito se torna bem mais difícil.
Hoje, quinta feira (4), o TRE/RN manteve por unanimidade as provas colhidas pelo GAECO, contrariando o pedido de parte dos acusados.
11. Participação direta de Paulinho Freire e Joana Guerra em reuniões com secretários para mobilização da máquina pública
Relatórios do GAECO e da ação do MPRN apontam que o esquema de uso da máquina pública para fins eleitorais não seria apenas orquestrado nos bastidores — mas envolvia diretamente o prefeito e a vice-prefeita.
Segundo os documentos que integram a ação, há indícios de que Paulinho Freire e Joana Guerra participaram de reuniões com secretários e dirigentes de órgãos municipais com o objetivo de articular o uso de serviços públicos, estrutura administrativa e recursos da prefeitura para mobilizar eleitores, condicionar cargos e serviços a apoio político e coordenar a participação de servidores em atos de campanha vinculados aos candidatos da base governista.
Um dos relatórios do GAECO (e citado em veículos de imprensa) descreve listas de presença e agendas de reuniões/eventos encontradas em computadores e aparelhos apreendidos nas secretarias — documentos técnicos identificados como “evidência B7117”, que associam diretamente a administração municipal às atividades de campanha.
Além disso, segundo a denúncia, a nomeação de parentes para cargos de confiança na gestão municipal — inclusive da vice-prefeita — reforça a tese de que havia coordenação política da alta cúpula para manter controle sobre a estrutura municipal e mobilizar apoio eleitoral.
Esse padrão, somado aos demais elementos (áudios, interceptações, documentos, listas, coação de servidores, uso de secretarias e órgãos públicos), compõe o que o MPRN define como “abuso de poder político e econômico sistemático” — no qual Paulinho Freire e Joana Guerra teriam papel de protagonismo, e não de coadjuvantes.
12. “Exército de comissionados”: uso de centenas de servidores nomeados como fiscais da campanha no dia da votação
Um dos pontos mais contundentes revelados pelos relatórios do GAECO e por reportagens que tiveram acesso às provas é o uso coordenado de centenas de servidores comissionados da Prefeitura de Natal como uma espécie de “tropa de fiscalização eleitoral” em favor da candidatura de Paulinho Freire no dia do primeiro turno de 2024.
Segundo as evidências reunidas na AIJE:
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servidores comissionados foram escalados, via grupos oficiais e extraoficiais de WhatsApp, para atuar como “fiscais”, “pontos de controle”, “olheiros” e “coordenadores de seção eleitoral”;
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muitos desses servidores não eram filiados ao partido, não passaram por treinamento eleitoral e não tinham função formal na campanha, mas foram designados pela gestão municipal;
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os relatórios técnicos apontam que a convocação ocorreu a partir da ARSBAN, SEMSUR, SEMTAS, SME e outras secretarias, que montaram planilhas internas com nomes, locais de votação e horários;
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havia ameaça de exoneração para quem não comparecesse, segundo testemunhos de pelo menos 10 servidores analisados pelo GAECO.
Em reportagem publicada em O Potiguar, detalhando as provas já anexadas ao processo, apurou-se que:
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no dia da votação, grupos de WhatsApp ligados a secretarias foram usados para monitorar em tempo real o desempenho da campanha, o comparecimento de apoiadores aos locais de votação, a movimentação de adversários e até possíveis denúncias contra a chapa de Paulinho Freire;
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várias mensagens identificadas pelo GAECO descrevem a missão dos comissionados como “fiscalizar para o 10”, “cobrir as zonas”, “garantir presença”, “ver quem chegou e quem não chegou” e “acompanhar eleitor”;
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os grupos eram organizados por coordenadores diretamente ligados à administração municipal, e não por estruturas partidárias — um indício decisivo de uso da máquina pública.
O portal Saiba Mais sintetizou esse fenômeno como a transformação de servidores públicos em fiscais eleitorais informais da campanha, operando sob pressão, monitoramento constante e ameaça de perda do cargo caso não cumprissem as ordens no dia da eleição.
Essa prática — que o Ministério Público caracteriza como abuso de poder político e econômico — é considerada especialmente grave porque atua no momento mais sensível do processo democrático, quando a presença ostensiva de agentes públicos mobilizados artificialmente pode:
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inibir adversários,
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constranger eleitores,
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gerar desequilíbrio na disputa,
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transformar servidores municipais em cabos eleitorais compulsórios.
Esse “exército de comissionados”, como já foi descrito por veículos da imprensa local, dialoga diretamente com a tese central da AIJE: a máquina pública de Natal foi convertida num sistema de coerção e manipulação da vontade política de servidores e da população, com atuação inclusive no dia da votação.
13. Transporte irregular de eleitores e servidores e indícios de compra de votos
Entre as ramificações mais graves destacadas pelo GAECO está o uso irregular de veículos, estruturas de secretarias e recursos logísticos da Prefeitura de Natal para transportar eleitores e servidores durante o processo eleitoral — especialmente no dia da votação. Segundo os documentos analisados pela equipe técnica e reportagens que tiveram acesso aos autos, esse transporte incluía:
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vans e carros alugados pela administração sendo utilizados para levar servidores comissionados aos locais onde deveriam atuar na campanha de Paulinho Freire;
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veículos particulares de pessoas ligadas à gestão, abastecidos e organizados em rotas previamente combinadas por grupos internos de WhatsApp;
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transporte de eleitores de comunidades atendidas por serviços municipais, prática apontada por testemunhas como “contrapartida” pela liberação de benefícios ou promessas de serviços públicos.
As mensagens de WhatsApp transcritas nos relatórios mostram coordenadores de secretarias combinando rotas, horários e listas de passageiros, em diálogo direto com agentes públicos subordinados. Em alguns casos, o deslocamento era destinado a eleitores específicos que haviam solicitado “ajuda” para chegar ao local de votação — ajuda essa que, segundo o Ministério Público, estava vinculada ao compromisso de votar na chapa governista.
Além disso, há indícios de um esquema de compra de votos, segundo relatos de testemunhas e elementos documentais anexados à AIJE. O MPE registrou:
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promessas de manutenção de empregos terceirizados para quem “confirmasse apoio”;
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ameaça de demissão para servidores que declarassem voto em adversários;
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promessas de serviços municipais em comunidades, incluindo intervenções de limpeza, iluminação, tapa-buraco e ações sociais;
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distribuição de benefícios sociais por meio de lideranças alinhadas à campanha, vinculadas à SEMTAS e programas assistenciais.
Essas práticas — transporte irregular + coerção + benefícios públicos em troca de apoio — compõem aquilo que o Ministério Público define como um sistema clientelista alimentado pela estrutura administrativa da prefeitura, funcionando dentro e fora do período eleitoral.
A convergência entre transporte irregular, pressão sobre servidores e compra de votos por meio de serviços e oferecimento de vantagens financeiros, empregos ou benefícios sociais mostra que o aparato municipal foi usado com objetivo final era alterar o equilíbrio da disputa eleitoral.
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