30 de novembro de 2025
A Educação Brasileira: Ferramenta de Segregação e Indutora de Diferenças Sociais
Autor: Daniel Menezes
Ricardo Valentim
Professor Associado da UFRN
A educação é um pilar essencial e um motor de desenvolvimento para qualquer nação. Países com altos índices de desenvolvimento humano, menor desigualdade e violência, invariavelmente, fizeram um ponto de inflexão em seus sistemas educacionais, transformando-a em uma agenda central e inegociável de Estado. Nessas nações, que compreendem o estado de bem-estar social como fruto de uma população crítica e preparada para a vida, a educação é inclusiva e plural. Ricos e pobres frequentam as mesmas escolas, socializam e compartilham experiências, fomentando a empatia e a compreensão profunda sobre a importância da equidade e da oportunidade de acesso.
No Brasil, contudo, a trajetória da educação caminha em sentido diametralmente oposto, atuando como uma ferramenta de segregação e indutora das diferenças sociais. Nosso modelo institucionalizou a dualidade: escolas para os ricos e escolas para os pobres. Essa cisão estimula, desde a infância, o distanciamento da sociedade de suas realidades, culminando na indiferença ao problema alheio e em uma notória falta de empatia, reflexo da ausência de um projeto de Estado consistente, necessário e urgente, para a área.
Nessa dimensão social, a elite brasileira custeia seu ensino básico em instituições privadas de excelência para, então, disputar as vagas das melhores universidades públicas com enorme vantagem competitiva. A meritocracia, simbolizada pelo Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), é vista como prova viva desse modelo. Mesmo com o sistema de cotas, a precarização histórica da educação básica pública garante que os mais ricos tenham maior probabilidade de acesso aos cursos mais concorridos. Estes jovens, isentos de culpa pela origem de sua riqueza, serão os responsáveis por criar leis, julgar, acusar, cuidar e ensinar, definindo o destino da nação em um futuro próximo.
Em contraste, a dimensão social dos mais pobres é marcada pela precariedade: escolas sem infraestrutura adequada, insegurança alimentar e dependência de programas sociais. Para essa juventude, estudar em uma instituição federal de alta qualidade é um sonho remoto. Ao atingirem a idade adulta, a necessidade de sobrevivência frequentemente os força ao trabalho precoce, afastando-os da ascensão acadêmica. Imersos em contextos de violência, ausência de saneamento básico e vulnerabilidade, dificilmente conseguem romper o ciclo de baixa renda, perpetuando uma trajetória de exclusão que se repete por gerações e os impede de alcançar o progresso e a qualidade de vida.
A falha histórica em colocar a educação como prioridade máxima foi profetizada por Darcy Ribeiro há mais de quatro décadas (1982): “Se o governo não construir escolas, em 20 anos faltará dinheiro para construir presídios”. O Brasil de 2025 é o reflexo trágico dessa inação. Com uma das maiores populações carcerárias do mundo, o país converteu seus presídios em ferramentas de exclusão e tortura, majoritariamente aprisionando indivíduos pobres, negros e com baixa escolaridade. Mantemos uma estrutura que negligencia a ressocialização dos privados de liberdade, ao mesmo tempo em que exclui aqueles que nunca foram incluídos em nossa sociedade. Conforme afirmava Paulo Freire 30 anos atrás, a educação não era, materialmente, prioridade para o Estado brasileiro, pois se fosse, "não estaríamos como estamos [...] o que é difícil é a escola formar gente crítica”.
Enquanto nações como China, Coreia do Sul, Singapura e Vietnã fizeram o necessário ponto de inflexão e alçaram a educação à condição de política de Estado, o Brasil relegou-a a uma pauta intermitente de governos. Nesse vácuo, assistimos a projetos políticos simplistas e delirantes que substituem a solução estrutural pela segurança como agenda principal. Propostas como prisão perpétua e pena de morte são colocadas na arena pública como soluções mágicas para o bem-estar social, mas não passam de narrativas fundadas no oportunismo e na má-fé, que desviam o foco da verdadeira raiz do problema: a segregação educacional e social. A história recente do país sublinha o perigo desse discurso populista — a máxima do "bandido bom é bandido morto" e o flerte com uma ruptura democrática, felizmente frustrada, demonstram a fragilidade da nossa resiliência institucional frente à inação social.
É urgente que o Brasil inclua, de forma definitiva, a educação, a ciência e a tecnologia como uma política de Estado, garantindo investimentos de longo prazo, estratégicos e substanciais — muito superiores aos atuais. A soberania de um país está diretamente ligada à sua capacidade de formar uma nação educada e de produzir inovações que gerem riqueza e mudanças sociais significativas. Precisamos de “universidades necessárias” que se articulem com os setores público e privado, convertendo o conhecimento científico em valor econômico e impacto social, visando aumentar a renda média da população — “converter publicações científicas em notas fiscais”.
Intuitivamente, o indicador definitivo da qualidade educacional brasileira será alcançado não quando os pobres lutam para matricular seus filhos nas escolas privadas, mas quando a classe média e a elite desejarem colocar seus filhos na escola pública. Somente assim a educação deixará de ser uma ferramenta de segregação e se tornará, de fato, o motor da equidade e do desenvolvimento nacional — deixando de ser um país indiferente à pobreza para se tornar o país da empatia.
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