21 de novembro de 2025

O Agente Secreto: Um Espelho de 1977 no Brasil de 2025

Autor: Daniel Menezes

Ricardo Valentim
Professor da UFRN

Assistir ao filme “O Agente Secreto” não é apenas um exercício de revisitar o passado; é também um confronto direto e doloroso com o nosso presente, o Brasil contemporâneo. A obra, ambientada em um Brasil de 1977 submergido na ditadura militar, funciona como uma lente de aumento para as feridas que nunca cicatrizaram e que continuam a sangrar no Brasil de 2025. Ao sair da sessão, a sensação que fica é a de que o calendário mudou, mas a "Pátria da Impunidade" permanece intacta — um país cujo abuso de autoridade e a corrupção perpetrada por essa prática é ainda tolerado, mesmo quando existe a Lei de Abuso de Autoridade (Lei nº 13.869/2019).

O filme retrata com maestria as assimetrias brutais do nosso federalismo, empobrecido pelos interesses geopolíticos em detrimento de uma agenda de desenvolvimento social e econômico de Estado. Vemos a luta inglória dos pesquisadores do Nordeste, que precisam brigar por migalhas de financiamento público, enquanto a lógica hegemônica — uma herança maldita da política do Café com Leite — continua a irrigar com recursos robustos o eixo RJ-MG-SP. É revoltante ver a imagem do servidor público e do professor universitário ser depreciada, perseguida e sufocada financeiramente, enquanto lutam não apenas pela ciência, mas pela própria sobrevivência e dignidade de suas famílias — o Brasil ainda saiu de 1977, apesar de avanços importantes não fizemos o ponto de inflexão de países como China, Coreia do Sul e Vietnã, no qual incluíram na Agenda do Estado a Educação e a Ciência como pilares para o desenvolvimento socioeconômico, nossas assimetrias regionais neste campo são gritantes e contribuem para isso, os resultados do PISA são claras evidências sobre essa questão.

Todos esses pontos são destacados nesta obra-prima de Kleber Mendonça Filho, mas é na figura da polícia que o filme escancara a podridão sistêmica em nosso país. Não estamos falando de segurança pública, mas de uma milícia fardada, constituída para perseguir inimigos ideológicos (os "ditos comunistas") e proteger as elites. A cena da Polícia Rodoviária Federal pedindo propina do professor universitário no posto de gasolina é o resumo do Brasil, a autoridade que deveria proteger é a mesma que extorque e abusa. Ali, fica claro que a “lei” é uma ferramenta de barganha — algumas vezes utilizada para perseguir inimigos ou desafetos.

"Quanto vale uma vida?" é a pergunta que ecoa em cada abuso de autoridade, em cada corpo desaparecido, em cada "lesa-pátria" que veste a farda para servir a interesses escusos e a matadores de aluguel. No Brasil contemporâneo, os matadores de aluguel são matadores de reputação, que usam as redes sociais para vilipendiar e destruir pessoas, agentes públicos e instituições — a operação Lava Jato é um espelho de 1977, cuja imagem projetada foi conluio entre agentes do Estado que atuaram para destruir e perseguir inimigos e desafetos. O caso do reitor da UFSC, Luiz Carlos Cancellier de Olivo, vítima de uma delegada da polícia federal que atuava de má-fé para incriminar o seu inimigo político, neste caso o alvo era a Universidade Pública; é um exemplo muito forte deste contexto.  

Essa polícia, que ignora o rico e massacra quem questiona o sistema, é o germe da impunidade que vemos hoje. O filme nos lembra que a corrupção não é um desvio de conduta, mas o método de operação de um Estado policialesco e delinquente. A solidariedade surge apenas entre as vítimas, entre aqueles que sofrem a separação da família e o medo constante do "fogo amigo" ou da incriminação indevida — o medo de ser vítima do lawfare, do uso estratégico do sistema jurídico como uma arma para prejudicar adversários políticos, ou seja, da manipulação de leis e processos legais para desacreditar ou paralisar oponentes, o que muitas vezes é feito para aparentar legalidade, na verdade são crimes de abuso de autoridade.

Por fim, é impossível não traçar a linha direta entre 1977 e 2025. O país retratado na tela é o mesmo país da Avenida Faria Lima, em São Paulo, do Banco Master e da tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023. A perseguição às universidades, o preconceito contra o Nordeste e a crença de que certas castas estão acima da lei são a prova de que a nossa memória histórica foi apagada ou ignorada. O Agente Secreto é um alerta visceral, enquanto não enfrentarmos esses demônios — o autoritarismo, o elitismo sudestino e a violência policial —, estaremos condenados a viver em um eterno 1977. 

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