10 de agosto de 2025

Com tarifaço, Brasil e EUA seguem direções opostas: inflação e desemprego caem por aqui, mas sobem por lá

Autor: Daniel Menezes

O Globo - No momento mais tenso nas relações diplomáticas entre Estados Unidos e Brasil, os indicadores socioeconômicos dos dois países caminham em direções opostas. Enquanto os números de emprego e inflação melhoram por aqui, pioram por lá.

O que mais chama a atenção é o mercado de trabalho. No Brasil, a taxa de desemprego é a menor desde 2012 e pela primeira vez abaixo de 6%. Nos EUA, números ruins de geração de vagas, os menores desde a pandemia, precipitaram até a demissão de Erika McEntarfer, chefe do Departamento de Estatísticas do Trabalho, pelo presidente Donald Trump, sob alegação de manipulação.

 

— Há um processo de desaceleração nos EUA, com aumento da taxa de desemprego, que deve subir ao longo do segundo semestre. Há uma perda da qualidade geral da economia americana, com diminuição de investimento em inovação e tecnologia, em educação. Do ponto de vista estrutural, é muito ruim — diz Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados.

Diferenças estatísticas de desemprego e inflação entre Brasil e EUA — Foto: Editoria de Arte

Diferenças estatísticas de desemprego e inflação entre Brasil e EUA — Foto: Editoria de Arte

Já no Brasil, segundo Rodolfo Margato, economista da XP, o desemprego deve continuar baixo, com a economia crescendo a bom ritmo, com mudança no crescimento setorial: setores ligados à renda expandindo, e os mais afetados pelo crédito, desacelerando.

 

Efeitos distintos

 

A taxa de desemprego deve ficar nesse patamar de 6%, as mais baixas historicamente, com a renda crescendo. No Brasil, foram criados no segundo trimestre, uma média mensal de 600 mil vagas, contra 35 mil na média mensal de maio a julho nos EUA.

— A situação do mercado de trabalho tem a ver com as incertezas de política tarifária, com empresas postergando decisões de investimento de aumento de produção. Maior percepção de risco bate no mercado de trabalho. O próprio quadro de juros altos para os padrões americanos causa esse arrefecimento — diz o economista da XP.

Como a inflação americana está em torno de 3%, acima da meta de 2%, os juros básicos americanos, o correspondente à nossa taxa Selic, está na faixa entre 4,25% e 4,5% ao ano.

— Foi a grande virada na precificação da economia americana.o, com escassez de mão de obra. Mas, recentemente, a geração de vagas está muito menor e surpreendeu pela revisão baixista (a criação de vagas em junho foi revista de 147 mil para 14 mil):

— Foi a grande virada na precificação da economia americana.

Na inflação, o quadro se repete. O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) estava em 5,35% em 12 meses até junho, com o teto da meta fixado em 4,5%. Mas as projeções do mercado apontam para índice de 5,07% no Brasil no fim do ano. Em 2026, 4,43%.

Nos EUA, a taxa se mantém próxima de 3%, com viés de alta, pelo esperado impacto nos preços da alta no Imposto de Importação no país, que passou de média de 2,3% em 2024 para cerca de 17% agora. A meta de inflação é 2%.

— As empresas já vinham segurando esses custos, já que Trump poderia voltar atrás. Mas já que está ficando claro que essas tarifas vão se manter, o plano dessas empresas é repassar esses custos, vamos começar a ver o aumento da inflação nos EUA — afirma o economista Guilherme Klein, professor na Universidade de Leeds (Inglaterra) e pesquisador do Made-USP.

Segundo o Departamento de Estatísticas do Trabalho dos EUA, o preço da libra (453 gramas) da carne moída e dos bifes é o mais alto em uma década. Houve choque de oferta de carne no país.

No Brasil, o efeito é contrário. A queda na cotação do dólar, que estava perto de R$ 6,20 no fim de 2024 e chegou a R$ 5,50 recentemente, ajudou a trazer os índices para baixo, juntamente com queda nos preços das commodities. E as tarifas podem baratear carnes e frutas com o desvio para o mercado interno de itens que iriam para os EUA.

Nas contas públicas, apesar de a situação brasileira ser mais complexa de administrar, o quadro fiscal já vinha piorando nos EUA, com a dívida no mesmo nível da época da Segunda Guerra Mundial, lembra Vale. O pacote de corte de gastos sociais e redução de impostos, chamado de “grande e belo projeto de lei” por Trump, deve fazer o déficit acumulado em dez anos chegar a US$ 4,7 trilhões, com efeitos na distribuição de renda.

— O quadro fiscal americano já vinha se deteriorando. Com o pacote, ficou pior ainda. E o efeito é mais renda para população mais rica, enquanto a população mais pobre perde. Vai aumentar a polarização, o ressentimento econômico da classe média mais pobre. Não significa que a gente (no Brasil) está bem, mas já sabemos os desafios que temos que enfrentar. O EUA estão se esforçando para se parecer mais com a América Latina.

Margato diz que o enfraquecimento do dólar frente a outras moedas como franco suíço e euro, com desvalorização de 10% no ano, já é um sinal dessa deterioração fiscal.

Apesar do quadro atual do Brasil estar numa direção melhor que o dos EUA, tanto a inflação quanto o desemprego ainda são bem mais altos aqui. Nos EUA, a taxa de desemprego está em torno de 4%. Por aqui, perto de 6% e não deve cair muito mais, dizem analistas. Na inflação, a mesma situação: 3% lá, 5,5% no Brasil.

A situação fiscal brasileira é mais delicada. A dívida pública em relação ao PIB deve subir de 77,6% este ano para 82,4% em 2026, de acordo com a Instituição Fiscal Independente. Sem contar que os EUA, emissor do dólar, contam com o mundo para se financiar. Não é o caso do Brasil.

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