16 de julho de 2025
Diplomacia e soberania ecológica frente ao PL da Devastação
Autor: Daniel Menezes
Por Andressa Morais
Antropóloga
Professora do Instituto Humanitas da UFRN
O Projeto de Lei 2.159/2021 engenhosamente chamado de PL da Devastação propõe a
revisão da legislação ambiental que apresenta desdobramentos sobre a diversidade de
modos de existência em face de suas implicações que precipitam o avanço de
interesses corporativos e privados frente o respeito às multiespécies constitutivas de
nosso ecossistema.
No contexto contemporâneo a relação entre mudanças climáticas, preservação
ambiental e desenvolvimento sustentável estruturam os principais eixos a serem
debatidos na esfera pública em decorrência de inúmeros empreendimentos - as
instalações de hidrelétricas, ferrovias e parques de energia eólica. E é dentro desse
epicentro de decisões e interesses que o PL 2.159/ 2021 ganha propulsão midiática e
política. Ele evoca a extinção de um conteúdo normativo que até aqui tentou garantir o
respeito aos direitos fundamentais de povos originários, comunidades quilombolas,
comunidades pesqueiras e demais populações vulneráveis: o licenciamento ambiental.
Este dispositivo normativo infrajurídico tem permitido uma avaliação consistente e
acurada para aferir os riscos ambientais, históricos e culturais que podem acometer
uma comunidade e o ecossistema em contextos de obras de grande impacto.
Sabemos que há dimensões políticas, culturais, ambientais e vitais envolvidas nesse
cenário e que exigem de nós uma justa preocupação. É preciso disputar as condições
normativas de demandar o direito à vida e ao reconhecimento da diversidade de modos
de existência afetados radicalmente por políticas predatórias e devastadoras que estão
em curso. Lembramos aqui os perigos que enfrentamos ao descaracterizar e depredar
um rio, uma praia ou uma comunidade indígena. A sequência mais imediata de uma
construção sem parâmetros de riscos promove não só o desaparecimento de
comunidades inteiras, mas põe em marcha o desaparecimento das condições de
habitabilidade e convivialidade da qual somos codependentes.
Inspirados pela resistência de povos tradicionais à exploração dos territórios habitados,
a literatura das “novas antropologias” nos convida a refletir sobre as relações
constitutivas entre múltiplos existentes para garantir as condições de uma diplomacia
operante, aquela que considera a vida para além do humano, mas que ainda assim
afeta a humanidade. Discute-se de forma muito acalorada o quão podemos inovar e
modernizar o mundo habitado pelo desenvolvimento tecnológico, mas tratar territórios
como meros instrumentos e recursos inviabiliza a compreensão adequada acerca da
relação interdependente que nos reúne. O mar, as florestas e as águas doces não
existem apenas como meros sistemas de exploração. Para além de uma perspectiva
meramente instrumental e utilitária, esses territórios organizam redes socioecológicas e
contribuem para o equilíbrio entre seres diversais que participam e coexistem em um
mesmo ambiente. Nesse sentido, quando as normas de licenciamento ambiental
entram em funcionamento, previne-se contra a depredação, o desaparecimento, o
desrespeito e os modos práticos de desorganizar o habitat desses ecossistemas.
O território não pode ser reduzido à fonte inerte de recursos para sustentar o
liberalismo tardio e o capitalismo neoliberal através de sua pilhagem e exploração, mas
precisa ser reconhecido em sua composição interdependente das nossas relações com
esses modos de existência que são alvo de ataques. A proposição do PL 2.159/2021
recai sobre mudanças nos processos de licenciamento ambiental no Brasil, reduzindo
as exigências para liberar obras que podem causar impactos substantivos ao meio
ambiente e às populações residentes.
Não esqueçamos que as transformações socioambientais em amplo desenvolvimento
já refletem para nós os infortúnios na forma das catástrofes ambientais. Inúmeras
comunidades tradicionais não estabelecem essa fronteira rígida entre vida e não-vida,
pois habitam o mundo em confluência com os entes não-humanos que ali coexistem
(animais, plantas, florestas, mar, rios, montanhas, dunas). Ao invés de vivermos uma
vida em completo isolamento de outros modos de existência, devemos nos lembrar que
os crimes ambientais representam riscos iminentes à segurança e à soberania do que
ainda chamamos de “terra”, esta grande aldeia povoada por múltiplos “mundos”.