4 de maio de 2025
Enfrentando a esporotricose: Projeto DA UFRN une estratégia de Saúde Única para combater micose que já virou epidemia no RN
Autor: Daniel Menezes
Paiva Rebouças – Sala de Ciência-Agecom/UFRN
A esporotricose, uma micose que atinge pessoas e animais, tem avançado no Rio Grande do Norte, afetando principalmente mulheres que cuidam de gatos doentes. A doença se manifesta como lesões de pele em diversas partes do corpo e já foi registrada em 18 municípios do estado. Para conter sua disseminação, pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) desenvolveram um projeto inovador, que integra saúde humana, animal e ambiental. A iniciativa busca diagnosticar, tratar e prevenir novos casos, promovendo um enfrentamento mais amplo e eficaz.
A proposta, aprovada pela chamada nacional 34/2024 do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), mira mulheres cuidadoras de animais, que compõem o grupo mais atingido pela doença. Aproximadamente 70% das pessoas acometidas são mulheres e 41% delas são aposentadas ou trabalham em casa.
A esporotricose é causada por um fungo do gênero Sporothrix, presente no solo, em plantas e nas garras de gatos infectados. A transmissão ocorre principalmente por arranhões ou mordidas de felinos contaminados, mas também pode acontecer por contato indireto, quando animais doentes circulam dentro de casa. No corpo humano e animal, a doença provoca lesões que lembram feridas e podem se espalhar, exigindo tratamento com antifúngicos por meses.

Lesões provocadas por esporotricose afetam gatos e ampliam o risco de transmissão para humanos – Imagem: Reprodução
Muitos casos estão ligados à presença de gatos doentes em bairros com problemas de saneamento e acúmulo de lixo. O projeto propõe ainda ações como limpeza urbana e agricultura comunitária para reduzir focos da doença. Por isso, o plano envolve desde cursos de capacitação até ações diretas em comunidades com altos índices de ocorrências. O objetivo é reduzir infecções e transformar o modo como o sistema de saúde lida com esse tipo de micose, só recentemente inserida na lista oficial de doenças de notificação compulsória do Ministério da Saúde.
Neste ponto, o Rio Grande do Norte estava à frente. Desde 2017, o estado incluiu a esporotricose humana e felina na lista de doenças de notificação compulsória, antecipando-se em quase uma década à portaria nacional, que só passou a exigir a notificação da forma humana da doença neste ano. Apesar da relevância dos dados epidemiológicos da esporotricose felina para o tratamento de pacientes e a prevenção de novos casos em animais, a diretriz federal ainda não contempla essa necessidade. Diante disso, o sistema Notifica RN fortalece o trabalho da SESAP que, desde 2017, vem liderando ações pioneiras na vigilância da doença.
No projeto, a UFRN lidera um consórcio que reúne instituições públicas e privadas, promovendo uma colaboração estratégica para fortalecer a saúde pública e animal. Entre os parceiros estão a Secretaria de Estado da Saúde Pública do RN (SESAP), a Secretaria Municipal de Saúde de Natal, o Instituto Santos Dumont (ISD), a Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), além de organizações não governamentais, como a Patamada, e clínicas veterinárias. A iniciativa prevê a capacitação de pelo menos 800 profissionais, incluindo médicos, enfermeiros, veterinários, agentes comunitários, cuidadores de animais e representantes de comunidades vulneráveis, ampliando a qualificação e o impacto da atuação interdisciplinar.

Infectologista Andreia Nery durante atendimento. Mulheres, cuidadoras de gatos, estão entre as mais afetadas pela esporotricose no RN – Foto: Mariana Melo – Agecom/UFRN
O projeto planeja ações nas oito regiões de saúde do estado. A equipe vai até os municípios mais afetados para capacitar trabalhadores da atenção primária, oferecer apoio clínico e incentivar medidas de vigilância. Também vai produzir videoaulas, podcasts, cartilhas e guias para orientar população e profissionais de saúde.
Investimento
Com duração de dois anos e investimento de pouco mais de R$ 494 mil, a iniciativa busca criar evidências científicas, publicar artigos e, principalmente, propor políticas públicas para enfrentar a esporotricose no SUS. Os resultados serão divulgados em linguagem acessível em repositórios digitais, redes sociais e canais institucionais com apoio da Superintendência de Comunicação da UFRN (Comunica), também parceira na ação.
A médica Andreia Ferreira Nery, professora do Departamento de Infectologia da UFRN e coordenadora da pesquisa, alerta que a contenção da esporotricose exige informação, articulação entre setores e mobilização das comunidades. Segundo ela, a micose, antes considerada rara, se tornou uma epidemia urbana, afetando pessoas, animais e o meio ambiente, o que reforça a necessidade de estratégias integradas para conter sua disseminação.
O tratamento
A esporotricose tem cura tanto para humanos quanto para gatos infectados e o tratamento, na maioria dos casos, é feito com itraconazol, um antifúngico administrado por via oral. Segundo a médica Andreia Ferreira Nery, estima-se que para cada pessoa doente haja quatro a cinco gatos infectados, o que reforça a necessidade de tratar ambos para conter a disseminação. “O sucesso do enfrentamento da esporotricose no Brasil depende do tratamento nos felinos e de estratégias de saúde voltadas para os ambientes mais endêmicos”, destaca a pesquisadora.

Esporotricose provoca lesões na pele e exige tratamento prolongado com antifúngicos – Imagem: AJTMH
O tempo de tratamento varia de acordo com a gravidade das lesões e a resposta de cada paciente, podendo durar de três a seis meses. Em situações mais graves, como as formas disseminadas ou quando há comprometimento pulmonar, outros medicamentos como anfotericina B podem ser utilizados, geralmente em ambiente hospitalar. O acompanhamento médico regular é essencial para garantir a eficácia do tratamento e evitar recaídas.
Nos animais, especialmente nos gatos, que são os principais transmissores da doença, o tratamento também é feito com antifúngicos, geralmente o itraconazol, em doses ajustadas ao peso e condição clínica do animal. O tratamento costuma ser prolongado, podendo durar vários meses e deve continuar mesmo após a melhora aparente, até que exames confirmem a cura. O acompanhamento com um médico veterinário é indispensável, tanto para garantir o bem-estar do animal quanto para evitar que ele continue transmitindo o fungo para outras pessoas e animais.
Como prevenir?
A prevenção da esporotricose exige atenção à saúde animal, higiene pessoal e cuidado com o ambiente. É fundamental evitar contato direto com gatos que apresentam feridas ou secreções, além de utilizar luvas e máscaras ao manusear animais doentes, limpar terrenos ou lidar com materiais contaminados, como terra e folhas. Para minimizar a disseminação, cuidadores devem manter os gatos domésticos em isolamento, evitando que contaminem áreas comuns da casa ou circulem livremente pelas ruas. Ao notar sinais da doença, buscar atendimento veterinário rapidamente ajuda no controle e na proteção da comunidade.

Prevenção da esporotricose inclui cuidados com animais doentes e higiene ao lidar com feridas – Imagem: AOCD
A castração e o controle populacional também ajudam a reduzir a disseminação. Em caso de suspeita de infecção, tanto em humanos quanto em animais, é essencial procurar atendimento médico ou veterinário para diagnóstico e tratamento adequados, evitando o agravamento da doença e a transmissão para outras pessoas ou bichos.
É importante reforçar que os gatos com esporotricose não devem ser abandonados nem maltratados. Eles são vítimas da doença e precisam de cuidado, acolhimento e tratamento. O abandono e o descuido com esses animais contribuem para a disseminação da doença nas comunidades. Por isso, além do tratamento adequado, ações educativas que promovam o respeito e o cuidado com os animais são fundamentais para o controle da esporotricose e para a construção de uma convivência mais saudável entre humanos, animais e o ambiente.
Esporotricose e Saúde Única
O projeto “Enfrentando a esporotricose endêmica no contexto de uma saúde única: projeto de ações interativas entre as saúdes humana, animal e ambiental para equipes multidisciplinares, comunidades e territórios” será conduzido sob a ótica da Saúde Única, uma abordagem que reconhece a interdependência entre a saúde humana, animal e ambiental.

Saúde humana, animal e ambiental são interdependentes e exigem cuidados integrados para prevenir doenças – Imagem: Floristik
A proposta parte do princípio de que pessoas, animais e ecossistemas compartilham o mesmo ambiente e, portanto, enfrentam riscos comuns, como doenças transmitidas entre espécies, impactos das mudanças climáticas e desafios sanitários em territórios urbanos e rurais. O projeto se desenvolve no âmbito do Grupo de Estudo e Ações em Saúde Única do Rio Grande do Norte (GEASU-RN), criado em 2024 na UFRN para fomentar ações interdisciplinares e colaborativas voltadas a esse conceito.
O GEASU-RN reúne docentes, pesquisadores, profissionais da saúde pública e ambiental, além de representantes de órgãos públicos. Na UFRN, o grupo é formado por Andreia Ferreira Nery, médica infectologista e pesquisadora do Departamento de Infectologia; Rafael Wesley Bastos, biólogo e pesquisador do Departamento de Microbiologia e Parasitologia; Marise Reis de Freitas, também do Departamento de Infectologia; Eveline Pipolo Milan, do Departamento de Infectologia; Renata Antonaci Gama, do Departamento de Microbiologia e Parasitologia; Liana de Figueiredo Mendes, do Departamento de Ecologia; Manoella do Monte Alves, Mirella Alves da Cunha e Igor Bruno Teixeira Almeida, todos vinculados ao Departamento de Infectologia.
O grupo também inclui Sebastian Faustino Faustino Pereira, superintendente de Comunicação da UFRN; José de Paiva Rebouças, diretor da Agência de Comunicação (Agecom/UFRN); e Carlson Pereira de Souza, do Departamento de Engenharia Química.
Além da comunidade acadêmica, integram o GEASU a gestora de inovação e consultora de projetos de PD&I, Amanda Gomes, a veterinária Giovana Louise Bezerra e profissionais da Secretaria de Estado da Saúde Pública do RN, como Cintia Higashi, Arachelly Gurgel, Fabíola Medeiros e Beatriz Silva, Maria Cristiana da Silva Souto, bem como Ana Clara Oliveira da Silva, da Unidade de Vigilância de Zoonoses de Natal. Juntos, esses membros articulam saberes e práticas com o objetivo de criar soluções sustentáveis e efetivas para problemas complexos de saúde, como a esporotricose, que exige ações conjuntas entre saúde pública, veterinária e educação ambiental.
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