26 de fevereiro de 2025

Há muito de Natal na trágica morte do médico ciclista

Autor: Daniel Menezes

Todos agora se compadecem diante da trágica morte esta semana de um médico no momento em que fazia sua atividade física como ciclista. Ocorre que a cidade do Natal nunca foi feita para as pessoas, mas para carros.

Ora, basta caminhar pelas regiões urbanas e constatar que não há espaços para caminhadas, nem para andar de bicileta. E, puxemos pela memória, quando isto é em algum momento tentado logo alguém aparece para fazer chacota.

Seguimos na contramão das melhores práticas de planejamento urbano implementadas por outras cidades do Brasil e do mundo. E, cabe enfatizar, os especialistas vêm se manifestando a cada obra dizendo que Natal está sendo morta por intervenções que não são feitas para as pessoas.

Veja o que foi feito no entorno do arena das dunas. Aquele complexo, não sem falta de aviso, matou toda a região - comércios, casas, espaços públicos morreram para abrigar uma solução para fluxo de carro que não se aplica mais lá fora.

O mesmo será feito no cruzamento da Hermes da Fonseca com a Alexandrino de Alencar, com uma alteração cara e que deixará tudo ali sombrio. Só restará o carro transitando.

Natal é uma capital em que suas elites se orgulham de viajar para vivenciar a dita modernidade dos centros europeus, mas elas mesmas querem o pior para aqui - centralização da vida urbana sobre o carro, segregação dos moradores, baixa qualidade de vida. E, cabe não esquecer, com o sucateamento do transporte público gerador de mais carros e, principalmente, motos em que uma nada desprezível parcela vai terminar nos corredores do hospital Walfredo Gurgel cada vez mais super lotado de acidentados.

Trata-se de nosso complexo de inferioridade sempre falando alto, como se, pelo (falso) fato de nós sermos inferiores, termos de aceitar o pior em nome de uma modernização que nunca chega. Apenas muda de obra em obra que serve de manuseio para líderes populistas. E qualquer questionamento é bombardeado como vindo daqueles que "são contra o desenvolvimento". Com o tempo, a empolgação logo vira melancolia porque as promessas nunca se realizam.

Talvez não seja um exagero dizer - quando todos nós anuímos que um ciclista divida uma via, margeando ombro com uma carreta, acabamos por abrir a possibilidade para a tragédia. A ausência de debate e responsabilização coletiva é a senha para que outros enfrentem situação semelhante amanhã. Tal cenário só irá mudar se reconhecermos que há muito de Natal na morte do médico.

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