25 de outubro de 2023

Delegada: "Polícia Civil do Rio de Janeiro é politizada para atender critérios político-partidários

Autor: Cecília Marinho

Os dados foram reunidos no livro "Delegados de Política" (leia com atenção: não é "delegados de Polícia", mas sim, de Política). É quando o policial vira um fantoche nas mãos de seu padrinho político. Juliana mergulhou nos Boletins Internos da Polícia Civil entre março de 2018 e dezembro de 2020.

 

Preocupada com a politização da Polícia Civil do Rio, a delegada Juliana Ziehe publicou um estudo inédito sobre as nefastas consequências das constantes trocas na cúpula da Polícia Civil do Rio. Os dados foram reunidos no livro "Delegados de Política" (leia com atenção: não é "delegados de Polícia", mas sim, de Política). É quando o policial vira um fantoche nas mãos de seu padrinho político. Juliana mergulhou nos Boletins Internos da Polícia Civil entre março de 2018 e dezembro de 2020.

Estudou o período na intervenção federal, quando militares mandavam na polícia, o governo Witzel e parte do governo Cláudio. Ela relacionou o índice de mudanças na titularidades das delegacias da capital com os índices de produtividade investigativa (número de indiciamentos) no primeiro mês das mudanças. O cenário é de total paralisia.

 

. Bem... Juliana Ziehe vai explicar melhor do que o autor deste texto:

Qual a diferença de atuação de um delegado de polícia para um delegado de política?

O delegado de polícia é aquele que exerce seu trabalho pautado nos valores constitucionais, conduzindo investigações com isenção e independência funcional. Já o Delegado de política é um fantoche de agentes políticos no poder, contaminado por critérios político-partidários no desempenho de suas funções. A politização da Polícia é a utilização da Polícia Civil para atender a interesses político-partidários de grupos políticos no poder, em detrimento dos interesses da coletividade

Qual o prejuízo para a sociedade, quando deputados impõe ao governador o nome do chefe de Polícia Civil?

A nomeação do secretário de Polícia Civil expõe apenas a ponta de um iceberg da chamada politização da polícia. As frequentes alterações dos gestores que estão à frente da polícia investigativa, realizadas pelo governador com a interferência da ALERJ, geram um efeito cascata sobre toda corporação e são acompanhadas da transferência de diversos policiais. Entre estes, os delegados titulares, que estão à frente não só da gestão das delegacias, mas também de importantes investigações.

E, dessa forma, o contorno político que assume a nomeação para o mais alto cargo da instituição, típico de um cargo em comissão, acaba se disseminando por toda a Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro.

 

Podemos considerar o caso Marielle como um exemplo mais conhecido desse efeito danoso de troca-troca de delegados?

Sim, pois essas trocas acarretam uma sistemática interrupção das investigações em andamento. A obscuridade em torno dos critérios que norteiam a remoção e nomeação das novas autoridades policiais só agrava a falta de confiança do cidadão no sistema de justiça criminal, o que representa assombroso retrocesso.

Mas o caso Marielle aconteceu durante a intervenção federal, sob controle de militares. Nem isso evitou a politização da polícia?

A análise estatística dos dados colacionados no livro Delegado de Política revela que a intervenção federal manteve o cenário de politização da polícia, marcada por diversas designações e dispensas de delegados titulares nas delegacias da capital fluminense, queda na produtividade investigativa durante os meses de mudança de titularidade e sigilo sobre a motivação dos atos administrativos que ensejaram na remoção dos delegados titulares.

Foi possível identificar que das 41 delegacias da capital fluminense, 31 dessas sofreram alterações em suas titularidades, o que representa um impacto negativo de 75,6% no Departamento Geral de Polícia da Capital, sob o aspecto da instabilidade institucional.

Então, na intervenção, sob a gestão do Rivaldo Barbosa, o índice de remoções de delegados na capital atingiu 75,6%.

 

E a partir daí?

Com a posse de Wilson Witzel, assume a Polícia Civil o delegado Marcus Vinicius. O impacto negativo das mudanças na Capital é de 90,2%. Só 0,9% delegados permanecem à frente de suas delegacias. Ainda no governo Wiltzel, Flavio Brito assume a secretaria e fica apenas pouco mais de três meses. Mesmo assim, ele mexe na titularidade de 48,7% das delegacias da Capital. É quando assume o governador Claudio Castro e nomeia Allan Turnowski. Ele mexe em 63,4% das delegacias da Capital.

Então vamos traduzir em números as consequências dessas mexidas. Houve queda de produtividade nas investigações, cuja métrica é o número de indiciamentos?

Queda em todos os casos. Durante a intervenção, sob o comando de Rivaldo Barbosa, a queda de produtividade nas delegacias da capital durante o mês de mudança da titularidade é de 87,8%. Quando Marcus Vinícius assume, a queda é de 63,2%. Ele é substituído por Flavio Brito e a queda é 70%. Encerra o estudo a queda de produtividade com Allan Turnowski: ela é de 88,8%. Um desastre em todos os casos analisados.

Mas para se trocar um delegado, a autoridade deve fundamentar sua decisão. Na sua pesquisa, o que mais a senhora encontrou como justificativa para esses tsunamis de mudanças?

 

Quando solicitamos à Polícia Civil a motivação dos atos administrativos que ensejaram na remoção dos delegados titulares das delegacias da capital do Rio de janeiro, descobrimos que essas informações foram classificadas como reservadas. Os procedimentos, sobre os quais pairam as informações solicitadas, foram classificados como reservados, sob a justificativa de segurança da sociedade e da instituição policial. Para tanto, o Subsecretário de Planejamento e Integração Operacional decretou a restrição de acesso às informações requeridas pelo prazo de cinco anos.

Como a senhora define o momento atual da Polícia Civil, quando a lei orgânica da instituição foi modificação às pressas e sem discussão com a categoria no Parlamento para dar posse a um secretário escolhido por deputados?

O fato noticiado só corrobora o estudo empírico desenvolvido ao longo do livro Delgado de Política, no sentido de que a Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro é politizada, sendo utilizada para atender critérios político-partidários de grupos políticos no poder em detrimento do interesse da coletividade.

Quais soluções a senhora propõe para evitar a politização?

A reflexão sobre o tema também deve perpassar pela elaboração de uma lista tríplice para o cargo de chefe de polícia/ secretário da SEPOL, com a definição de um mandato, visando minimizar os efeitos políticos do governador e ALERJ sobre a Polícia Civil. Outros pontos importantes contra as transferências arbitrárias passam pela definição de critérios claros para a nomeação de delegados titulares, como, por exemplo, a exigência de conhecimento técnico, proximidade com a residência, tempo na função e, quem sabe, a fixação mandato com avaliações de desempenho para o caso de recondução.

 

E um ponto fundamental nisso tudo, o corregedor?

A estabilidade para o cargo de corregedor geral, com a fixação de mandato para o exercício de sua função, também se mostra de suma importância para a apuração de irregularidades administrativas internas, a exemplo do que já acontece na Polícia Federal. Caso contrário, o órgão seria facilmente manipulado pela simples remoção do corregedor e demais integrantes de sua equipe. Uma instituição policial sem uma corregedoria séria, que combata de forma efetiva a corrupção ou desrespeito aos preceitos legais por seus agentes, acaba por fomentar práticas abusivas e autoritárias.

 

Fonte: G1

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