2 de outubro de 2023

Milei promete padrão europeu em 15 anos e Massa se desculpa pela economia no 1º debate

Autor: Cecília Marinho

Candidatos à Presidência da Argentina se reuniram neste domingo (1º) para debater temas como economia, educação e direitos Humanos

 

No primeiro debate de candidatos à Presidência da Argentina, na noite deste domingo (1º), o candidato da extrema-direita, Javier Milei, afirmou que, se eleito, “em 15 anos” a Argentina poderá alcançar níveis de vida similares aos de países europeus e, em 35 anos, aos dos Estados Unidos.

 

Milei propõe reformar o Estado, diminuir “drasticamente” o gasto público, reduzir impostos, abrir e desregular a economia, privatizar estatais e fechar o Banco Central.

“Com esse conjunto de reformas, em 15 anos a Argentina poderia atingir níveis de vida semelhantes aos da Itália ou da França. Se me derem 20 [anos], Alemanha, e se me derem 35, Estados Unidos”.

Ele também afirmou que com o atual modelo econômico, de emissão monetária e déficit fiscal, a Argentina pode se transformar na “maior favela do mundo” em 50 anos.

Favorito na corrida eleitoral segundo a maioria das pesquisas de intenção de voto do primeiro turno, Milei, do partido A Liberdade Avança, conseguiu manter a calma durante o debate, sem fortes insultos a integrantes de outras forças políticas, uma das características pela qual se tornou conhecido.

Ele classificou, porém, a gestão do atual presidente Alberto Fernández como um “governo de delinquentes” e disse que os políticos da atual administração defendem a emissão monetária e o Banco Central porque, com eles, “roubam dos argentinos honestos”

Já o ministro da Economia e candidato pela coalizão de centro-esquerda do peronismo União pela Pátria, Sergio Massa, disse ter consciência de que a inflação — de 124,4% no acumulado dos últimos 12 meses — é um problema, e pediu desculpas à população.

Há um ano no cargo, ele agora promete resolver a crise econômica argentina com a criação de uma moeda digital, incentivo aos exportadores, prisão para quem retirar divisas do país e um novo acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI).

Segundo colocado nas pesquisas, ele criticou as propostas de Milei de deixar de financiar escolas e universidades públicas e de dolarizar a economia, afirmando que somente o Zimbábue, o Equador e El Salvador adotaram o modelo de substituir a moeda norte-americana em detrimento do peso argentino.

Massa disse que a proposta significa “rifar” a moeda nacional e propôs buscar equilíbrio fiscal e acumulação de reservas para combater a inflação.
A proposta de dolarização também foi criticada pela candidata Patricia Bullrich, da coalizão Juntos pela Mudança, de centro-direita.

Candidatos presidenciais sobem ao palco durante um debate presidencial em 01 de outubro de 2023 em Santiago del Estero, Argentina / Tomas Cuesta/Getty Images

“Prometeram dolarização para você, mas você sabe que sem dólares não dá para dolarizar”, disse à audiência, sobre a escassez de dólares no Banco Central do país”, disse, afirmando também que somente países como a Micronésia, Tuvalu e Kiribati não possuem Banco Central.

“Todos são paraísos fiscais”, disse para Milei, afirmando que ele quer transformar a Argentina em um paraíso fiscal.

A candidata apoiada pelo ex-presidente Mauricio Macri também acusou o kirchnerismo — ala do peronismo liderado pela vice-presidente Cristina Kirchner — de deixar a Argentina “arrasada” e “caótica”.

“Massa já é presidente em funções e a administração é um desastre”, criticou.

Também participaram do debate a candidata socialista, da Frente de Esquerda e dos Trabalhadores (FIT, na sigla em espanhol), Myryam Bregman, que fez fortes críticas a Milei, Massa e Bullrich, e o governador da província de Córdoba, o peronista Juan Schiaretti, que discursou contra a polarização entre o kirchnerismo e o macrismo.

União de peronistas com liberais

Apesar da discussão que travou com seu principal adversário na campanha, o ministro da Economia disse que, se eleito, poderia incluir pessoas do partido “libertário” em seu governo.

“Se sou [presidente], tenham certeza de que vamos convocar os melhores. Tanto do radicalismo, do Pro [partido macrista] e inclusive com gente do partido de Javier Milei. Convocando a todos, sem medo do diálogo e das diferenças”, garantiu ele, enquanto o candidato ultraliberal reagia com expressão de incompreensão.

Massa foi muito atacado pelos adversários pela grave crise econômica do país, que atingiu 12,4% de inflação em agosto e tem 40,1% da população da pobreza, segundo dados do Instituto Nacional de Estatísticas e Censos (Indec) do primeiro semestre.

“Explique para os argentinos como sendo o pior ministro da economia pode ser um bom presidente, como você pode se dividir em duas pessoas com tanto cinismo?”, questionou Bullrich.

Já Schiaretti questionou se a vida dos argentinos melhorou desde que Massa está no governo e disse que a única coisa que o ministro conseguiu foi deixar a Argentina “à beira da hiperinflação”.

Milei fez a mesma alegação: “Estamos à beira da hiperinflação, por que não nos conta como vai evitar a hiperinflação em vez desse conto de fadas?”, perguntou ao ministro sobre suas propostas.

Massa, porém, tentou se distanciar do governo de Alberto Fernández.

“Agora vem uma etapa nova, o meu governo, não este, e por isso acho que nossa responsabilidade é tentar, por todos os meios, consolidar um projeto de exportações, de desenvolvimento econômico e melhora na distribuição de renda na Argentina. Obviamente corrigindo os erros, mas também fazendo as mudanças que forem necessárias, custe o que custar”, expressou ele, que taxou de “criminoso” e “inflacionário” o acordo com o FMI para o empréstimo contraído em 2019 por Macri.

Desculpas para o papa Francisco

Apesar de dizer que governaria com liberais, Massa definiu a aposta em Milei como um salto no escuro” e uma “loucura”.

Ele pediu que o candidato usasse seus 45 segundos de resposta a uma pergunta sua para pedir desculpas ao papa Francisco.

“A Argentina tem milhões de fiéis católicos e você ofendeu o chefe da igreja”, disse ele, sobre trechos de uma entrevista que Milei concedeu há alguns anos chamando o papa de comunista e definindo o religioso como “representante do maligno na terra”.

Em resposta, Milei afirmou que deu as declarações quando “ainda não estava na política”, que já pediu desculpas ao papa Francisco e que voltaria a fazê-lo. “Faça, faça”, repetiu Massa algumas vezes, durante o tempo de resposta de Milei, ao que foi advertido pelos moderadores que o áudio estava desligado porque não era seu momento de falar.

“Deixe-me falar, que meu tempo está correndo. Seja respeitoso”, pediu o economista ultraliberal.

Desaparecidos da ditadura

Milei gerou polêmica no debate ao questionar a cifra estimada por organizações de Direitos Humanos de que a ditadura argentina (1976-1983) deixou cerca de 30 mil mortos e desaparecidos.

“Valorizamos a visão de memória, verdade e justiça. Então comecemos pela verdade. Não foram 30 mil desaparecidos, foram 8.753”, disse ele, afirmando que o que houve no país nos 70 foi uma “guerra” e que “forças do Estado cometeram excessos, mas terroristas” de grupos guerrilheiros “também cometeram crimes contra a humanidade”.

Neste bloco, que abordava direitos humanos e convivência democrática, Massa disse que, após 40 anos do retorno da democracia, “é preciso cuidar o legado de memória, verdade e justiça” e defendeu os julgamentos aos agentes da ditadura, iniciado em 1985 e retomado nas últimas décadas.

O candidato presidencial de La Libertad Avanza Javier Milei fala durante um debate presidencial em 01 de outubro de 2023 em Santiago del Estero, Argentina / Tomas Cuesta/Getty Images

“Esse caminho deu para a Argentina um enorme reconhecimento internacional” quanto a organismos de direitos humanos. Schiaretti também defendeu o julgamento aos repressores de 1985, mas disse que é preciso “olhar para frente”.

Já Myriam Bregman foi categórica: “Foram 30 mil e foi um genocídio”.

Bullrich, que integrou os “Montoneros” — organização juvenil peronista que tinha um braço armado, no período da ditadura — , disse que não promoveu a violência e que optou pelo “caminho do Estado de direito”.

Na linha de Milei, disse que é necessário reconhecer tanto os mortos pela ditadura como os mortos por “organizações armadas civis e militares”.

Para a convivência democrática do país, ela prometeu acabar com protestos que bloqueiam ruas e ocupações de terra na Patagônia argentina.

Férias em iate de luxo

No sábado, a Argentina se viu em meio a um escândalo após a divulgação de fotos do chefe de gabinete da província de Buenos Aires, o kirchnerista Martín Insaurralde, passando férias em um iate de luxo em Marbella, no Mediterrâneo, ao sul da Espanha.

Entre as fotos publicadas pela modelo que o acompanhava, estavam fotos de bolsas e relógio de grifes que ela teria recebido do político, que aparece em uma das imagens servindo espumante em uma taça.

As imagens, a semanas das eleições e na mesma semana da divulgação do índice de pobreza que revelou que 1,2 milhão de argentinos passaram a ser pobres no último ano, geraram indignação.

O assunto, no entanto, foi pouco explorado no debate. Foi mencionado logo no início por Bregman, que criticou os que “deixam o povo com fome e vão em iates de luxo passear pela Europa” e por Bullrich, quando criticou a proposta de Massa de prender quem não declarar patrimônio em moeda estrangeira.

“Você já tem o primeiro, leve o Insaurralde”, provocou.

O chefe de gabinete da província renunciou horas após o escândalo que reforça a imagem de corrupção entre funcionários kirchneristas e pode por em risco a reeleição do atual governador da província, Axel Kicillof, e incidir na eleição presidencial.

Debate obrigatório

Este foi o primeiro dos dois debates organizados pela Câmara Nacional Eleitoral da Argentina, de caráter obrigatório. Se algum candidato deixasse de participar, perderia os espaços de propaganda eleitoral nas emissoras de rádio e televisão do país.

O próximo debate será no próximo domingo (8), na Faculdade de Direito da Universidade de Buenos Aires.

Na maioria das pesquisas eleitorais, Milei lidera as intenções de voto com cerca de 35% e Massa aparece em segundo lugar, com aproximadamente 30%.

Para ganhar no primeiro turno, o candidato precisa obter 45% dos votos ou 40% com uma diferença de 10 pontos percentuais em relação ao segundo colocado.

As eleições presidenciais da Argentina acontecem em 22 de outubro. Se necessário, o segundo turno será em 19 de novembro.

 

Fonte: CNN Brasil 

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