6 de setembro de 2023

STF julga marco temporal para comunidades tradicionais da Bahia nesta quarta (6)

Autor: Cecília Marinho

A imposição de um marco temporal para o reconhecimento de territórios de comunidades na Bahia é o primeiro item na pauta do Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quarta-feira (6).

Essas comunidades são formadas por grupos que habitam as regiões do Cerrado e da Caatinga baianos há gerações e criam gado em áreas de uso comum, chamadas de “fundo” e “fecho” de pasto.

Os ministros vão analisar uma lei de 2013 da Bahia que estabeleceu um prazo de cinco anos — até 2018 — para a regularização dessas áreas, com objetivo de assegurar às comunidades a continuidade de suas atividades nos locais.

Para pleitear esse direito, a lei determinou que as associações comunitárias dos ocupantes dos territórios deveriam assinar com o governo um contrato para uso da área, no prazo estipulado.

A Procuradoria-Geral da República (PGR) contestou a lei no STF em setembro de 2017. O então chefe do órgão, Rodrigo Janot, pediu à Corte que declare inconstitucional a imposição de prazo.

Para a PGR, não há na Constituição nenhum limite temporal para que as comunidades sejam reconhecidas como tradicionais e tenham assegurado seu direito à existência. Janot também disse que a lei baiana limita os direitos das comunidades.

As comunidades de fundo e fecho de pasto são alvos de processos de invasão e grilagem, principalmente na região oeste da Bahia. Há casos de violência e mortes de integrantes dos grupos. A expansão da fronteira agrícola também pressiona as áreas de pastoreio.

Conforme informações da regional baiano da Comissão Pastoral da Terra, dois trabalhadores rurais foram baleados no sábado (2) por um grileiro na área de fundo de pasto da comunidade tradicional de Angico dos Dias, em Campo Alegre de Lourdes (BA).

Há relatos de tentativas de invasão do território, com pessoas de fora circulando pelo local com seguranças armados.

A ação no STF é de relatoria da presidente da Corte, ministra Rosa Weber. A magistrada deve deixar o Supremo no final de setembro, dias antes da data da sua aposentadoria compulsória, em 2 de outubro, quando completa 75 anos.

Por iniciativa de Weber, o STF também julga outro marco temporal para direitos sobre territórios, o das terras indígenas. O caso será retomado em 20 de setembro, e o placar está 4 a 2 para invalidar a tese contrária aos interesses dos povos originários.

Insegurança jurídica

As comunidades de fundo e fecho de pasto fazem parte de grupos reconhecidos pelo Estado brasileiro como Povos e Comunidades Tradicionais. A lista contempla 28 segmentos, entre indígenas, quilombolas, povos de terreiro, ciganos, caiçaras e veredeiros.

Esses grupos foram elencados em decreto editado em 2006, durante o primeiro mandato do presidente de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Há uma Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável e um Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais.

Pela lei, são povos e comunidades tradicionais os grupos “culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais”, com formas próprias de organização social e ocupação de territórios e recursos naturais como “condição” para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica.

Para Juliana de Athayde, assessora jurídica popular da Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais (AATR), a limitação temporal para garantia da posse dos territórios impede a busca pela regularização, e fragiliza os meios de proteção, inclusive física, dessa população.

“A insegurança jurídica traz reflexos de insegurança prática nos territórios”, disse Athayde à CNN. “Essa insegurança a gente associa ao aumento da violência. Quando o Estado não dá respaldo de proteção institucional às comunidades, a violência aumenta”, argumentou.

A AATR é uma das entidades admitidas na ação no STF para colaborar com informações no processo. Conforme Athayde, sequer há dados oficiais sobre o número de comunidades e fundo e fecho de pasto. O cenário é potencializado pela presença desse grupo em áreas rurais, às vezes isoladas.

As estimativas de assessorias que atuam na área apontam para mais de 1.500 comunidades em toda Bahia. Do total, 777 possuem certificação como comunidade tradicional.

“O que é comum a essas comunidades é que estão em áreas reconhecidamente de incidência muito grande da grilagem de terras”, afirmou a especialista, que cita também o avanço da fronteira agrícola na região do Matopiba como um contexto de conflito.

A área de expansão de plantio de monoculturas, como soja, milho e algodão, recebe o nome das siglas dos estados que a compõem: Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.

A assessora disse que as comunidades de fundo e fecho de pasto usam, tradicionalmente, grandes áreas devolutas do estado para o pastoreio de gado.

“De tempos em tempos, eles soltam o gado para pasto em uma região diferente, o que preserva o bioma. São locais onde ainda se tem preservação do Cerrado e da Caatinga, apesar do avanço do agronegócio”, comentou.

11 mil famílias em 42 municípios, estima PGR

Conforme a PGR, as estimativas apontam para mais de 500 comunidades de fundo e fecho de pasto na Bahia, o que corresponde, ao menos, a cerca de 11.431 famílias em 42 municípios.

“Não é possível afirmar com exatidão o número dessas comunidades, tendo em vista o longo período de invisibilidade, isolamento e desinformação que viveram”, afirmou Janot, na ação.

“Como quer que seja, os dados já conhecidos são suficientes para demonstrar a importância socioeconômica dos fundos e fechos de pasto para a região do semiárido baiano”, destacou.

A PGR relata que, por mais que suas posses sejam muito antigas, essas comunidades começaram a sofrer “intensa e constante pressão de fazendeiros interessados na apropriação de suas terras”.

“A expansão da fronteira agrícola no oeste da Bahia significou gradativo avanço sobre as áreas comunais e provocou graves conflitos em torno dos territórios tradicionais”, disse o órgão.

Para a Procuradoria, a Constituição garante o direito fundamental das comunidades de fundo e fecho de pasto a existir como grupo e a preservar sua identidade, traduzida nos seus modos de criar, fazer e viver.

“Negar-lhes a posse de suas terras significa condená-las a extinção”, declarou Janot.

Fonte: CNN Brasil 

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