21 de dezembro de 2025

O Equívoco da "Espiral da Morte": Por que a Visão da CGU sobre a Energia Solar é Limitada

Autor: Daniel Menezes

Por Ricardo Valentim

Professor Associado da UFRN

Recentemente, a Controladoria-Geral da União (CGU) disparou um alerta sobre o que chama de "espiral da morte" no setor elétrico brasileiro. O argumento é de que os subsídios à energia solar fotovoltaica oneram os consumidores mais pobres em benefício dos mais ricos. Embora a preocupação com a tarifa social seja legítima, a análise da CGU foca excessivamente no custo contábil imediato e, portanto, ignora os ganhos sistêmicos, ambientais e estratégicos que a descentralização energética traz ao Brasil — os telhados brasileiros podem e devem ser fontes de produção de energia limpa para o país, incluindo setores da própria administração pública, como educação, saúde e segurança.

1. O Mito da Escassez e o Excedente de Energia

O Brasil vive hoje um cenário de excedente estrutural de energia. Ao contrário de décadas passadas, o desafio não é a falta de geração, mas como gerenciar a abundância. Punir a energia solar sob o pretexto de equilíbrio tarifário é ignorar que a microgeração distribuída (GD) alivia a carga sobre o Sistema Interligado Nacional (SIN) nos momentos de pico, fator que contribui para a redução de perdas técnicas de transmissão que, ironicamente, também são pagas por todos os consumidores.

2. O Fim do Despacho Térmico: Uma Economia Bilionária

O ponto mais crítico ignorado pela análise da CGU é a redução da dependência das usinas termoelétricas. Estas usinas, movidas a combustíveis fósseis (nada sustentáveis), são as responsáveis pelos "tarifaços" e pelas bandeiras vermelhas na conta de luz.

- Custo de Oportunidade: Cada megawatt gerado pelo sol em um telhado é um megawatt que não precisa ser gerado por uma térmica caríssima e poluente.

- Sustentabilidade Financeira: A longo prazo, a expansão da energia solar é o que garantirá tarifas menores para a população de baixa renda, pois evita a ativação de contratos emergenciais de energia suja que drenam bilhões dos orçamentos público e privado anualmente.

3. Vantagem Competitiva na Indústria Global

No cenário internacional, o "custo Brasil" é frequentemente associado ao preço da energia. No entanto, a transição para uma matriz renovável e barata é a nossa maior vantagem competitiva industrial no momento; logo, é preciso prestar atenção a essa questão.

- Neoindustrialização Verde: Empresas globais buscam países onde possam descarbonizar sua produção. Produzir alimentos e tecnologias de forma mais justa e limpa é um desafio que o Brasil pode e deve ajudar a resolver por meio das energias renováveis, principalmente a solar, pois esta democratiza o acesso à produção energética no país.

- Se o Brasil desencorajar a inovação no setor elétrico para manter um modelo de cobrança arcaico, perderemos investimentos para nações que entenderam que a energia solar não é um "custo", mas um insumo estratégico de baixo carbono.

4. A Obsolescência do Modelo de Distribuição

O cerne do problema não são as placas solares, mas um modelo de distribuição centenário, privado e monopolizado. O sistema atual foi desenhado há mais de 70 anos para um mundo de grandes hidrelétricas centrais e consumidores passivos.

- Modelo Arcaico: As distribuidoras operam sob um regime que garante receita sobre o volume de energia transportada. Quando o cidadão gera sua própria luz, o lucro das concessionárias cai, e elas pressionam o governo para repassar esse "prejuízo" aos demais.

- Inversão de Valores: Em vez de reformar o modelo de negócios das concessionárias para adaptá-las à modernidade, a CGU sugere penalizar quem investe em sustentabilidade. É o equivalente a taxar o transporte público para compensar a perda de lucro de fabricantes de carroças no século passado.

Conclusão

Rotular a energia solar como "vilã dos pobres" é uma simplificação perigosa que atende aos interesses das grandes distribuidoras e ignora o futuro. O foco do Estado não deveria ser o corte de incentivos à renovação, mas sim a democratização do acesso. Portanto, deve-se atuar na criação de linhas de crédito para que a energia solar chegue às favelas e conjuntos habitacionais, transformando o "pobre que paga a conta" em um produtor de sua própria energia — não faz sentido, inclusive, que esse modelo ainda não esteja integrado ao programa Minha Casa, Minha Vida.

A verdadeira "espiral da morte" não vem do sol, mas da insistência em manter um modelo energético fóssil, centralizado, monopolizado e burocrático em um mundo que já é digital e descentralizado.

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