6 de agosto de 2025
Esforços de Trump para controlar informações econômicas e narrativas históricas ecoam manual autoritário
Autor: Daniel Menezes
Do Globo - O presidente dos EUA, Donald Trump, deve indicar nos próximos dias o novo chefe do serviço de estatísticas de trabalho, depois que a divulgação de um relatório com números aquém dos esperados levou à demissão da diretora do órgão. Para analistas, uma decisão que acende sinais de alerta: países como Argentina e Grécia já maquiaram seus números para não revelar a gravidade de suas crises, e outros, como a Venezuela, começaram a prender economistas independentes. E embora não haja sinais de que Trump mudará os indicadores, ele já manipulou dados e narrativas históricas nos Estados Unidos em seu segundo mandato.
O imbróglio no Escritório de Estatísticas do Trabalho começou na sexta-feira, quando foi divulgado um relatório apontando 73 mil contratações em julho, um número bem abaixo do esperado pelo mercado. Além disso, foi feita uma revisão dos dados de maio e junho, mostrando 258 mil novos postos de trabalho a menos do que o inicialmente divulgado.
Especialistas garantem que revisões do tipo são comuns, um argumento que não convenceu Trump, um presidente que diz que a economia dos EUA jamais viveu dias melhores: na rede Truth Social, espécie de Diário Oficial informal da Casa Branca, disse que “em sua opinião” os números foram manipulados para prejudicá-lo, e anunciou a demissão da chefe do escritório, Erika McEntarfer, uma funcionária de carreira indicada pelo presidente Joe Biden e aprovada por ampla maioria no Senado em 2023.
— A demissão da chefe do Escritório o de Estatísticas do Trabalho é questionável, a menos que os números tenham sido manipulados, e não vimos nenhuma evidência disso, então este parece ser um caso de atirar no mensageiro — disse à rede CNN Robert Ruggirello, diretor de investimentos da Brave Eagle Wealth Management.
Manipulações de dados econômicos são um mecanismo relativamente simples para mascarar problemas estruturais em um país — a questão é que raramente a mentira se sustenta, e a confiança pode levar décadas até ser recuperada. No começo do século, a Grécia admitiu ter forjado dados sobre a inflação, dívida pública e déficit fiscal para se qualificar a uma vaga na Zona do Euro. Anos depois, a nação se veria diante de uma grave crise, com elevados custos sociais à população.
A Argentina também foi acusada de manipular dados de inflação por anos, o que levou o Fundo Monetário Internacional (FMI) a parar de reconhecer as estatísticas e a quase expulsar o país do órgão. Em 2022, a Turquia, comandada por Recep Tayyip Erdogan, demitiu o chefe da agência de estatísticas após o anúncio da inflação anual mais alta em quase 20 anos, 36,1% (os dados de julho mostram inflação de 33,7%). Tal qual Trump, Erdogan afirmou que o órgão “amplificava” os problemas econômicos.
— Demitir o principal responsável pela estatística envia um sinal claro aos demais membros do governo de que se espera que a integridade científica seja comprometida para apaziguar o presidente — afirmou, em entrevista ao New York Times, Gretchen Goldman, ex-conselheira científica do governo de Joe Biden. — Isso nos coloca em um território perigoso, longe de um governo responsável e baseado na realidade.
Na Venezuela, o regime de Nicolás Maduro deu um passo além para controlar aqueles que questionam os dados oficiais: em junho, Rodrigo Cabezas, ex-ministro das Finanças de Hugo Chávez, foi preso, e outros economistas e analistas financeiros foram levados para “prestar esclarecimentos”. O site do Observatório Venezuelano de Finanças, um grupo independente que publica e analisa dados econômicos, saiu do ar, assim como plataformas de dados sobre o câmbio e sobre o mercado de criptomoedas, acusadas de "promoverem a especulação".
— É como a teoria da Fada Sininho da economia — disse ao New York Times Phil Gunson, analista do International Crisis Group. — Se você acredita nela, então sua luz continua a brilhar.
Moldando a História
A guerra particular de Trump com os números não é de hoje. O presidente garante ser mais alto do que realmente é, afirma que a Trump Tower, em Nova York, tem 10 andares a mais do que mostra o projeto e processou um jornalista que, em 2005, alegou que a fortuna dele chegava a US$ 250 milhões, menos de 10% do valor que ele alegava ter. Em 2024, Trump foi condenado por fraude fiscal em um processo que tinha como ponto central a acusação de que suas empresas inflaram o valor de seus ativos para obter vantagens econômicas junto a instituições financeiras.
Mas Trump também dá sinais, particularmente em seu segundo mandato, que seguirá uma cartilha conhecida de governos autoritários, com ações para garantir a primazia de sua versão dos fatos, nem que para isso precise remodelar o passado e pressionar para que o presente seja apresentado da forma como deseja.
Como parte de sua batalha contra o que chama de “política de gênero”, ele determinou, em fevereiro, que nomes de pessoas transgênero fossem removidos do Monumento Nacional de Stonewall, que celebra o movimento em defesa dos direitos da população LGBT+, gerido pelo governo federal. No cemitério nacional de Arlington, onde estão enterrados militares e pessoas mortas em guerras, a página oficial retirou páginas com referências a mulheres e negros que receberam honrarias.
No mês passado, o Museu Nacional Smithsonian de História Americana removeu referências aos processos de impeachment contra Trump, em 2020 e 2021, de uma exposição — segundo o jornal Washington Post, decisão tomada após pressão da Casa Branca. Na terça-feira, o Serviço Nacional de Parques anunciou que, a pedido de Trump, irá instalar novamente na capital americana a estátua de um oficial confederado, pró-escravidão, cinco anos após ter sido removida. Para muitos americanos, o monumento é um símbolo do racismo e dos tempos da escravidão nos Estados Unidos, uma narrativa que o presidente parece mais do que disposto a mudar.
— A democracia não pode existir realisticamente sem uma infraestrutura epistêmica confiável — disse Michael Patrick Lynch, professor da Universidade de Connecticut, ao New York Times. — Líderes antidemocráticos e autoritários sabem disso. É por isso que eles aproveitarão todas as oportunidades para controlar as fontes de informação. Como [Francis] Bacon nos ensinou, conhecimento é poder. Mas impedir ou controlar o acesso ao conhecimento também é poder.
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