30 de julho de 2025

Girão homenageia Ustra, chefe do DOI-CODI na ditadura militar, como “herói nacional”

Autor: Daniel Menezes

Do SAIBA MAIS

Por Alisson Almeida

O deputado federal General Girão (PL) usou suas redes sociais, na última terça-feira (29), para prestar homenagem ao coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, primeiro militar reconhecido oficialmente pela Justiça do Brasil como torturador durante a ditadura que vigorou no país de 1964 a 1985. Ex-comandante do DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna) de São Paulo, um dos mais brutais centros de repressão do regime, Ustra foi responsável por centenas de mortes e desaparecimentos forçados, segundo a Comissão Nacional da Verdade (CNV).

Na publicação, Girão compartilhou um vídeo do vereador Marcelo Ustra (PL), parente do coronel, que exalta o torturador como “herói nacional”. O conteúdo inclui também o infame voto do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) durante o impeachment de Dilma Rousseff (PT), em 16 de abril de 2016, quando o então deputado federal homenageou Ustra como “o pavor de Dilma Rousseff”. A ex-presidenta foi uma das presas políticas torturadas pelo militar.

“Homenagem em memória do herói do nosso Exército, o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, que completaria 93 anos nesta terça-feira (29). Nossa continência”, escreveu o deputado bolsonarista na legenda da publicação.

Revisionismo histórico

A reverência de Girão ao torturador Ustra é mais um capítulo do revisionismo histórico, do saudosismo da ditadura e do culto à violência promovidos pela extrema-direita brasileira, que tem como maior líder o ex-presidente Jair Bolsonaro.

A postagem do deputado potiguar, mais do que um gesto isolado, reflete uma visão autoritária que tenta negar a verdade histórica ao reabilitar moralmente os crimes do regime militar, enquanto afirma falsamente que vivemos uma “ditadura” sob o governo democraticamente eleito do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

A representante do Congresso Nacional na Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos, deputada Natália Bonavides (PT-RN) fez duras críticas: “Quem homenageia a ditadura e ditadores comete crimes. Brilhante Ustra foi o chefe do DOI-Codi do Exército de São Paulo, órgão de repressão política do governo militar. Ali, sob o comando dele, pelo menos 50 pessoas foram assassinadas ou desapareceram e outras 500 foram torturadas. Portanto, o coronel exaltado pelo parlamentar é, antes de tudo, um assassino. Mas a atitude do deputado não me surpreende: o bolsonarismo já mostrou mais recentemente suas intenções golpistas, seu plano de assassinar Lula e impedir a posse do presidente eleito pelo povo para tentar fazer com que sua turma permanecesse no poder. Então esse tipo de manifestação pública em favor de quem é capaz de qualquer coisa em nome do poder e para calar opositores é comum a eles. O golpismo e o ataque à democracia são características do bolsonarismo”.

Para a jornalista Jana Sá, Jana Sá, presidenta do Comitê Estadual por Memória, Verdade e Justiça do Rio Grande do Norte, a homenagem ao torturador Ustra “é não só um atentado à memória histórica do Brasil, mas também um acinte às vítimas da ditadura e suas famílias”.

Jana é filha do líder comunista potiguar Glênio Fernandes de Sá, o único norte-riograndense a integrar a Guerrilha do Araguaia, principal ação de luta armada no campo contra a ditadura militar, ocorrida na região amazônica brasileira, entre o final da década de 1960 e o início da década de 1970. 

Glênio Sá foi capturado em 1972, torturado brutalmente pela ditadura e passou anos em prisões clandestinas antes de ser libertado em 1974. Ele morreu em 26 de julho de 1990, num acidente automobilístico que, para a família, ainda hoje é cercado de mistério. Os familiares dele nunca aceitaram a versão oficial, segundo a qual aquela tragédia teria sido obra do acaso.

“Ustra não foi herói: foi reconhecido judicialmente como torturador, responsável por mortes e desaparecimentos. Repudiamos com veemência essa tentativa de reabilitação moral de um dos maiores símbolos do terror de Estado no Brasil”, declarou Jana Sá.

Girão foi condenado por incitar atos antidemocráticos

A homenagem de Girão a Ustra reflete, ainda, uma contradição no discurso dos bolsonaristas, que alardeiam uma inexistente ditadura no país, ao mesmo tempo em que estão sendo julgados pela tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022.

O próprio General Girão foi condenado, em julho deste ano, ao pagamento de R$ 2 milhões por danos morais coletivos, em ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal, por fomentar manifestações golpistas após o resultado do pleito que culminou com a vitória do presidente Lula.

O parlamentar também é investigado pelo STF (Supremo Tribunal Federal), em inquérito sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes, que apura sua “possível participação nos atos antidemocráticos ocorridos em 8 de janeiro de 2023”, incluindo a “possibilidade de caracterização dos crimes de associação criminosa, incitação ao crime, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado”.

Ao mesmo tempo em que é alvo de investigações por ameaçar a democracia brasileira, Girão enaltece um dos maiores símbolos da repressão violenta promovida pela ditadura militar.

Girão exalta Ustra, notório violador dos direitos humanos, enquanto tenta, assim como os demais bolsonaristas, se colocar como vítima de uma suposta perseguição política e clama por anistia para os envolvidos no ataque às instituições democráticas.

Bolsonaristas tratam golpistas como “perseguidos políticos”

A homenagem ocorre em meio à insistente campanha de parlamentares bolsonaristas, como o próprio Girão, o deputado federal Sargento Gonçalves (PL) e o senador Rogério Marinho (PL), pela anistia aos golpistas presos após os ataques de 8 de janeiro de 2023, quando extremistas atacaram, invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes em Brasília (DF), numa tentativa de derrubar o presidente recém-empossado Luiz Inácio Lula da Silva.

Para eles, os responsáveis pelos atos terroristas seriam “perseguidos políticos” de um suposto regime autoritário. Ao mesmo tempo, rendem homenagens ao responsável por crimes como sequestro, tortura e assassinato – muitos deles contra mulheres, crianças e militantes políticos.

Os mesmos que homenageiam Ustra, como fez Girão, criminalizam quem enfrentou o regime de exceção ao lutar por democracia, justiça e liberdade.

Ignoram que o próprio Ustra foi o primeiro militar reconhecido como torturador, em decisão judicial de 2008, confirmada em 2012. A ação foi movida pela família Teles, que teve vários de seus membros torturados, incluindo duas crianças que, na época, tinham 4 e outra 5 anos.

Ustra era “o senhor da vida e da morte no DOI-CODI”

Carlos Alberto Brilhante Ustra em depoimento na Comissão Nacional da Verdade. Foto: Wilson Dias/Agência Brasil

Em 2013, ao depor na Comissão Nacional da Verdade (CNV), instaurada no primeiro governo da ex-presidenta Dilma Rousseff, décadas após o fim da ditadura, Ustra afirmou que não houve mortes dentro das instalações que comandava.

Já o ex-sargento do Exército Marival Chaves, também em depoimento à CNV, afirmou que Ustra era “o senhor da vida e da morte” no DOI-CODI.

O relatório final da CNV, publicado em 2014, após quase três anos de investigação, apontou Ustra como responsável por pelo menos 60 casos diretos de tortura e 47 mortes ou desaparecimentos forçados.

O documento destaca que Ustra foi reconhecido judicialmente como responsável por práticas de tortura, com base em processos que comprovam a violência praticada no DOI-CODI, comandado por ele entre 1970 e 1974.

A CNV atribuiu, no total, 434 mortes e desaparecimentos à repressão estatal durante a ditadura, número que representa apenas uma fração do terror vivido no período.

O coronel Ustra morreu no dia 15 de outubro de 2015, aos 83 anos, no hospital Santa Helena, em Brasília, internado com um câncer, sem nunca ter sido condenado pelos crimes que cometeu na ditadura militar.

[0] Comentários | Deixe seu comentário.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado.